Totto-Chan: A Menina na Janela
Média
3,1
1 nota

1 Crítica do usuário

5
0 crítica
4
1 crítica
3
0 crítica
2
0 crítica
1
0 crítica
0
0 crítica
Organizar por
Críticas mais úteis Críticas mais recentes Por usuários que mais publicaram críticas Por usuários com mais seguidores
NerdCall
NerdCall

41 seguidores 396 críticas Seguir usuário

4,0
Enviada em 7 de outubro de 2025
Há filmes que não precisam de grandes reviravoltas para comover. Totto-Chan: A Menina na Janela é um desses. Dirigido por Shinnosuke Yakuwa, o longa-metragem de animação adapta a célebre autobiografia de Tetsuko Kuroyanagi com um olhar sensível sobre a infância, a liberdade e o impacto silencioso da guerra.
Mais do que uma história sobre uma menina curiosa, o filme é um convite para enxergar o mundo pela janela de Totto-Chan — uma criança que não se encaixa nos padrões e que encontra, na singularidade de sua nova escola, um espaço para florescer.

A trama acompanha Totto-Chan, uma garota de sete anos expulsa da escola por seu comportamento inquieto e imaginativo. Em vez de ser reprimida, ela é acolhida pela Tomoe Gakuen, uma instituição de ensino alternativa que acredita no poder da curiosidade e da autonomia. É ali que Totto descobre o valor da empatia e constrói laços profundos, especialmente com Yasuaki, um garoto com poliomielite que, apesar da timidez, encontra nela um olhar de aceitação e amizade.

Logo nos primeiros minutos, o filme deixa claro que não pretende seguir o ritmo frenético das animações comerciais. Shinnosuke Yakuwa aposta em um tom contemplativo, que reflete a inocência infantil e o cotidiano simples das crianças. A primeira hora do longa se dedica quase inteiramente a mostrar o dia a dia na escola — as aulas de música, os passeios, os momentos de imaginação.
À primeira vista, pode parecer pouco para quem espera grandes acontecimentos, mas é justamente nessa calma que o filme encontra sua força: nas pequenas descobertas, nos gestos de afeto e nas trocas silenciosas entre as crianças.

O roteiro, assinado por Yakuwa e Yôsuke Suzuki, constrói essa simplicidade com delicadeza. A história não tem pressa, e isso pode afastar espectadores acostumados a narrativas mais diretas. No entanto, quem se permite mergulhar nesse ritmo encontra uma das experiências mais emocionais e honestas do ano.
A relação entre Totto-Chan e Yasuaki é o coração do filme — um vínculo puro, livre de preconceitos e moldado pela empatia. A amizade entre os dois não apenas dá vida ao enredo, como reforça a mensagem de que a inclusão e o respeito são aprendizados que nascem na infância.

Ao mesmo tempo, o filme não ignora o contexto histórico em que está inserido. A Segunda Guerra Mundial paira sobre o Japão como uma sombra constante, ainda que raramente seja mostrada de forma explícita. Essa decisão é proposital — Yakuwa opta por enxergar o conflito pelos olhos das crianças, que não compreendem o horror em sua totalidade, mas sentem seus reflexos no cotidiano.
A guerra surge em gestos simples: nas restrições impostas à sociedade, na mudança das roupas coloridas para tons sóbrios, nas proibições que retiram das crianças o direito de cantar ou brincar livremente. Quando essas limitações tomam conta da narrativa, a animação muda junto: as cores vibrantes cedem lugar ao cinza e à chuva, simbolizando a perda da alegria e da inocência.
É um recurso visual poderoso, que traduz a opressão sem precisar de discursos ou cenas explícitas de violência.

Ainda assim, Totto-Chan e Yasuaki encontram maneiras de resistir. A cena em que, mesmo proibidos, eles brincam na chuva, é uma das mais bonitas e simbólicas do filme. Nela, o gesto simples de desobedecer se transforma em um ato de liberdade — uma metáfora delicada sobre a pureza da infância diante de um mundo que tenta controlá-la.

Outro destaque está na animação 2D, um estilo que tem se tornado cada vez mais raro nos grandes estúdios, mas que aqui ganha novo fôlego. O traço é suave, com cores pastéis e texturas que evocam a estética tradicional japonesa.
Há momentos em que a narrativa se permite sonhar, e o filme abraça pequenas sequências de fantasia — como se desse forma às imaginações das crianças. Essas passagens funcionam como respiros dentro do ritmo mais sereno, reforçando o encanto e a sensibilidade da obra.
A trilha sonora acompanha esse mesmo tom: discreta, melódica, quase sempre conduzindo a emoção sem chamá-la para o primeiro plano.

Apesar da sutileza ser o grande trunfo da animação, ela também pode ser vista como um desafio. A falta de uma estrutura narrativa mais tradicional, com clímax e resolução marcados, pode dar a sensação de que “pouco acontece”. Mas essa é justamente a proposta de Totto-Chan: A Menina na Janela: ser um retrato da infância em seu estado mais puro, onde os momentos aparentemente banais são, na verdade, os mais reveladores.
Em vez de grandes eventos, o filme aposta em sensações — o som da chuva, o calor da amizade, o olhar curioso de uma menina que tenta entender o mundo.

É possível perceber, também, como a obra equilibra ternura e melancolia. Há leveza em cada risada de Totto, mas há também um peso invisível no ar — um presságio de que aquele tempo de inocência está prestes a desaparecer. Essa dualidade dá profundidade à narrativa e impede que o filme caia em sentimentalismo fácil.
Ao contrário, ele emociona justamente por não forçar a emoção: o espectador sente junto, de forma natural, sem precisar ser conduzido por diálogos explicativos.

Se há um ponto que pode ser apontado como fragilidade, é o ritmo, que às vezes se estende mais do que o necessário. Com quase duas horas de duração, Totto-Chan exige paciência — mas recompensa quem a oferece. Cada cena, mesmo as mais simples, carrega um propósito, e o desfecho chega com a força de algo genuíno, não de uma manipulação emocional.

Em seu conjunto, Totto-Chan: A Menina na Janela é uma das animações mais tocantes e sofisticadas de 2025.
Não pela grandiosidade, mas pela coragem de ser pequena, silenciosa e humana. É um filme sobre ver e ser visto, sobre encontrar acolhimento em um mundo que tenta enquadrar o diferente.
Yakuwa entrega uma obra de delicadeza rara — um lembrete de que, às vezes, o que há de mais poderoso está justamente naquilo que parece simples.
Quer ver mais críticas?
  • As últimas críticas do AdoroCinema
  • Melhores filmes
  • Melhores filmes de acordo a imprensa