Quem diria que, em 2025, o gênero terror estaria ajudando a salvar o cinema. Depois de Pecadores, que abriu o ano com um frescor bem-vindo, a Warner Bros. entrega A Hora do Mal, outro exemplar que consegue se destacar em meio ao mar de reboots, sequências preguiçosas e franquias desgastadas. O filme marca uma evolução clara do diretor Zach Cregger, já conhecido pelo elogiado Noites Brutais. Aqui, ele demonstra amadurecimento não apenas na sua marca autoral, mas também no cuidado estético e na ambição de produção. Não à toa, o roteiro foi alvo de disputa entre grandes estúdios antes de finalmente sair do papel.
Mesmo enfrentando obstáculos pesados — incluindo as greves em Hollywood, que custaram parte significativa do elenco, entre eles Pedro Pascal — Cregger não se deixou abalar. Ele refez praticamente todo o casting, trazendo Julia Garner e Josh Brolin para liderar o filme, e transformou o que poderia ser um problema em um acerto.
O que mais impressiona é perceber como A Hora do Mal quebra a previsibilidade que contaminou grande parte dos filmes de terror recentes. Ao contrário da fórmula exaustivamente repetida por produtoras como a Blumhouse — com orçamentos mínimos, poucos cenários, abuso de jumpscares e sustos fáceis — Cregger investe na construção de atmosfera. Ele entende que o medo nem sempre nasce do que é mostrado, mas do que é sugerido. Logo de início, estabelece o mistério central: o desaparecimento simultâneo de 17 crianças da mesma turma, às 2h17 da madrugada. É um evento simples, mas perturbador, e o diretor o explora com inteligência, fragmentando a narrativa em diferentes perspectivas e tempos.
Essa estrutura narrativa é um dos pontos mais fortes do filme. Cregger cria “cenas-chave” que se repetem ao longo da trama, mas sempre sob um novo ponto de vista, reconfigurando o entendimento do espectador e mantendo o suspense em alta. Em vez de entregar respostas apressadas, ele prolonga a tensão ao máximo, oferecendo pistas que, ao mesmo tempo, esclarecem e levantam novas perguntas. O uso de crianças como centro da trama também amplifica o impacto emocional, explorando a vulnerabilidade delas e a dimensão assustadora de um desaparecimento coletivo.
A parte técnica é igualmente afiada. A fotografia noturna é belíssima e contribui diretamente para o clima opressor. A mixagem de som merece destaque: Cregger alterna silêncio absoluto, ruídos sutis e sons ambientes para criar uma sensação constante de desconforto. E quando os sustos chegam — e aqui é importante dizer que não se tratam de jumpscares baratos — eles são construídos com precisão, tanto visual quanto sonora, sendo poucos, mas muito eficazes.
Naturalmente, um mistério dessa magnitude exige um momento de revelação. E é justamente nesse ponto que muitos diretores se perdem, destruindo a atmosfera que levaram o filme inteiro para construir. Em A Hora do Mal, Cregger se mostra mais consciente. Quando percebe que o espectador já começa a juntar as peças do enigma, ele muda o ritmo: o terror mais abstrato e mitológico dá lugar a uma tensão física e urgente, com os personagens em movimento constante no clímax. É aqui que o diretor acerta um aspecto que foi criticado em Noites Brutais: o desfecho. Em vez de arriscar um final polêmico, ele opta por algo mais “seguro”, porém satisfatório, entregando uma conclusão coesa que respeita o que veio antes. Ainda assim, a mitologia apresentada poderia ser mais desenvolvida; ela acaba servindo mais como ferramenta para a trama avançar do que como elemento explorado em profundidade.
O longa também ousa abordar temas que extrapolam o terror. Entre eles, o descuido de alguns pais na criação dos filhos, a tendência da sociedade de buscar culpados rápidos para tragédias complexas e a dificuldade de lidar com eventos que desafiam a lógica. Esses subtextos elevam o filme, oferecendo uma camada de reflexão que não interrompe o fluxo da narrativa. No entanto, há uma pequena lacuna emocional: o personagem de Josh Brolin, um pai desesperado por respostas, poderia ter sido mais explorado para gerar uma conexão ainda mais forte com o público. Apesar disso, o ritmo firme de Cregger mantém o espectador preso à história do início ao fim.
No balanço final, A Hora do Mal consolida Zach Cregger como um dos principais nomes do terror norte-americano contemporâneo. Em um cenário dominado por franquias recicladas, o filme é um sopro de originalidade e qualidade. Ao lado de Pecadores, é um dos trabalhos mais competentes e envolventes de 2025 até agora. Mais do que isso: é a prova de que o gênero terror ainda pode surpreender e emocionar quando tratado com seriedade e visão artística.
Se o futuro de Cregger inclui comandar o reboot de Resident Evil, como já foi anunciado, a expectativa é de que a Sony lhe dê total liberdade e orçamento robusto. Afinal, A Hora do Mal mostra que ele não só entende o terror — ele sabe transformá-lo em cinema de verdade.