Quando "Karate Kid: Lendas" foi anunciado, a sensação inicial era de mais um caça-níquel nostálgico, tentando surfar na onda de sucesso deixada por Cobra Kai e na tentativa questionável de incluir o filme de 2010 — aquele estrelado por Jaden Smith e Jackie Chan — dentro do cânone da franquia, mesmo com sua ausência total de conexão até então. Afinal, como esquecer que aquele reboot era mais sobre Kung Fu do que Karate, e levava o título original apenas por razões mercadológicas? Porém, para surpresa de muitos, inclusive deste crítico, o novo longa da Sony Pictures consegue encontrar um ponto de equilíbrio raro: homenageia o legado sem ser refém dele, e ainda entrega uma narrativa revigorada, atual e envolvente.
O roteiro, assinado por Robert Mark Kamen — o mesmo responsável pelos roteiros da trilogia original e envolvido com Cobra Kai — é, talvez, o grande trunfo do projeto. A trama evita se apoiar demais em fan services fáceis e usa as referências com parcimônia, preferindo se concentrar em desenvolver um novo protagonista carismático que consiga carregar a responsabilidade de guiar a franquia para uma nova geração. A participação de Ralph Macchio é pontual, mas simbólica, funcionando como uma âncora emocional para os fãs mais antigos. Já Jackie Chan, que retorna como Sr. Han, tem um tempo de tela ainda mais relevante, não apenas por sua conexão com o filme de 2010, mas porque sua presença funciona como uma ponte entre o reboot e a mitologia original da saga.
É curioso notar que, diferentemente de outras produções que tentam justificar conexões forçadas, Lendas faz isso com uma explicação rápida, quase como um aceno de "sim, sabemos que faz pouco sentido, mas vamos seguir em frente". E funciona. A mistura entre o Kung Fu de Han e o Karate tradicional da franquia encontra aqui uma justificativa que o público aceita, não por ser perfeita, mas porque a história maior é suficientemente envolvente para que os detalhes se tornem secundários. O mérito está justamente em não querer forçar uma união ideal, mas sim transformar uma inconsistência histórica em parte do próprio charme da narrativa.
As cenas de luta, historicamente pouco inspiradas nos filmes da franquia, aqui ganham um upgrade significativo. A coreografia é um dos destaques do longa, especialmente por conta da entrega física de Jackie Chan e da performance surpreendente de Ben Wang, que traz acrobacias e intensidade à sua atuação. As lutas, pela primeira vez em muito tempo, não apenas empolgam — elas carregam emoção, propósito e ajudam a mover a história. É um respiro necessário em uma franquia que sempre usou o combate como ferramenta narrativa, mas raramente como espetáculo.
Do ponto de vista emocional, o longa também surpreende. A trilha sonora retorna como elemento central da narrativa, como nos filmes clássicos, sendo usada não apenas como pano de fundo, mas como peça-chave para reforçar momentos de tensão, drama e humor. Há um cuidado visível em alinhar música, sentimento e contexto — algo que remete diretamente ao espírito original de Karatê Kid, mas com uma roupagem moderna.
No entanto, nem tudo funciona com a mesma eficiência. A montagem do filme é, sem dúvida, o calcanhar de Aquiles da produção. É visível — e por vezes incômodo — o quanto o longa foi comprimido para caber dentro de um tempo limite estipulado pelo estúdio. Há cortes abruptos que quebram a fluidez das cenas emocionais e até mesmo das sequências de luta. A sensação é de que o filme foi "editado com pressa", sacrificando transições e deixando o público, em alguns momentos, confuso sobre o ritmo e as motivações dos personagens. Mesmo para espectadores que não costumam notar aspectos técnicos, o impacto dessas escolhas é perceptível e prejudica o envolvimento pleno com a história.
Ainda assim, Karate Kid: Lendas cumpre seu papel com mais acertos do que erros. Ele é, acima de tudo, um filme que entende o momento atual da franquia: a necessidade de evoluir sem perder a essência. Não é apenas uma homenagem, nem apenas um recomeço — é um capítulo que costura o passado com o presente e aponta para o futuro. Com um protagonista promissor, cenas de ação envolventes, boas atuações e um espírito genuinamente fiel ao que Karatê Kid sempre representou, o filme mostra que há espaço, sim, para novas histórias nesse universo.