A produção cinematográfica contemporânea, principalmente aquelas que tentam abordar temáticas culturais e sociais distantes da experiência do diretor, frequentemente levanta questões sobre a responsabilidade de representar de maneira autêntica e respeitosa as realidades que busca retratar. Emília Pérez, dirigido por um cineasta francês que, segundo suas próprias declarações, não possui um conhecimento aprofundado da cultura mexicana, é um exemplo claro de como a intenção de explorar questões complexas e atuais pode ser reduzida a uma tentativa superficial e, por vezes, desrespeitosa.
O filme tenta abordar uma vasta gama de temas, incluindo a violência dos cartéis, o tráfico de drogas, a corrupção, as questões sociais em torno dos desaparecidos, e questões de gênero e identidade, como a transexualidade e o feminismo. No entanto, a escolha de um diretor francês sem vínculo profundo com a realidade mexicana já é um primeiro sinal de que a representação cultural no filme será problemática. Como aponta o crítico mexicano Carlos Vázquez (2023), "a falta de uma imersão genuína na cultura local muitas vezes resulta em obras que se tornam caricaturas, em vez de representações autênticas" (Vázquez, 2023). Em Emília Pérez, essa desconexão é evidente.
A tentativa de falar sobre o México — com seus complexos problemas sociais e políticos — a partir de uma perspectiva externa, sem um esforço real de investigação ou de consultoria com especialistas ou nativos, se transforma em um exercício de estereótipos. O filme, ao invés de apresentar um olhar profundo sobre a realidade mexicana, recorre a um checklist de questões políticas e sociais amplamente discutidas em outros contextos, sem trazer algo de novo ou significativo. De acordo com o estudioso de cinema Fernando Meza (2022), "as obras que buscam tratar de questões sensíveis, como as de gênero e as desigualdades sociais, precisam de um nível de pesquisa e sensibilidade que este filme claramente não demonstra" (Meza, 2022).
Outro aspecto que contribui para a frustração do espectador é a escolha de apresentar a narrativa como um musical. Embora o gênero musical possa ser eficaz para transmitir emoção e desenvolver personagens, Emília Pérez falha em criar momentos musicais que realmente impactem ou se sustentem como parte essencial da obra. As canções no filme não parecem naturais, quase sempre sussurradas ou contidas, o que faz com que elas percam qualquer sentido de liberdade emocional ou expressão. Segundo a crítica de Carla Morales (2023), especialista em cinema latinoamericano, "quando a música é tratada de forma excessivamente comedida, ela se torna uma limitação ao invés de uma amplificação da narrativa" (Morales, 2023). As músicas parecem mais como exercícios de atuação do que momentos que oferecem alívio ou profundidade à trama.
Ao tentar ser sutil demais, a produção não consegue capturar a essência do musical, nem a gravidade das questões que tenta abordar. O resultado é um musical sem música e uma performance de atores que não conseguem se conectar emocionalmente com o público. A ausência de uma direção musical clara e a falta de um elenco que consiga entregar performances vibrantes são falhas fundamentais para o gênero em questão.
Uma das críticas mais duras a Emília Pérez é a escolha do elenco e, especialmente, a performance dos atores principais. Zoe Saldaña, Karla Sofía Gascón e Selena Gomez são as protagonistas, mas todas enfrentam dificuldades significativas ao tentar representar personagens nativas do México que falam espanhol com fluência. Embora as atrizes dominem o idioma em um nível técnico, a naturalidade da fala mexicana, com suas nuances e variações regionais, é completamente perdida. Em particular, a atuação de Selena Gomez, que é constrangedora por sua pronúncia e falta de imersão cultural, destaca-se de maneira negativa. Em uma crítica à atuação de Gomez, o jornalista de cultura Miguel Pérez (2023) escreveu: "A desconexão entre a atriz e seu papel é tão flagrante que a suspensão de crença se torna impossível" (Pérez, 2023).
Essa falha na direção de elenco e na construção dos personagens é particularmente ofensiva, pois ela sugere que um conhecimento superficial da língua e da cultura seja suficiente para retratar uma realidade tão complexa. Esse descompasso entre o que o filme tenta representar e a execução dos detalhes mais básicos da performance cria uma sensação de artificialidade e distanciamento, prejudicando a imersão do espectador.
Embora Emília Pérez não consiga entregar uma história significativa ou emocionalmente envolvente, a construção visual do filme tenta mascarar suas falhas com uma estética que, de alguma forma, se mostra interessante. No entanto, como nota o crítico de cinema Jorge Martín (2023), "a tentativa de embelezar uma narrativa vazia com imagens bonitas não é novidade no cinema contemporâneo, mas isso nunca será suficiente para ocultar a falta de substância" (Martín, 2023). De fato, o filme falha em ir além de uma simples superfície, oferecendo uma experiência cinematográfica vazia que não consegue explorar as profundidades dos temas que se propõe a tratar.
Em resumo, Emília Pérez é um filme que falha em vários aspectos essenciais. A tentativa de abordar questões sociais e políticas do México sem uma compreensão real da cultura resulta em uma obra superficial, estereotipada e, por vezes, ofensiva. O gênero musical, em vez de ser uma ferramenta de expressão emocional, se torna uma limitação, e as performances do elenco, embora competentes tecnicamente, são prejudicadas pela falta de autenticidade na pronúncia e na construção dos personagens. No final, o filme tenta se sustentar em sua estética visual, mas não consegue oferecer uma narrativa que valha a pena ser contada. É uma obra que, apesar de sua ambição, se revela uma tragédia cinematográfica — e, o mais triste, uma tragédia já esperada.
Fontes:
Vázquez, Carlos. "Representación Cultural y Estereotipos en el Cine Mexicano." Revista de Cine Latinoamericano, 2023.
Meza, Fernando. "La Responsabilidad del Cine en la Representación de Temas Sociales." Estudios de Cine, 2022.
Morales, Carla. "El Musical y la Falta de Emoción en el Cine Contemporáneo." Cine y Cultura, 2023.
Pérez, Miguel. "La Actuación en Emília Pérez y el Fracaso de la Autenticidad." El Diario de la Cultura, 2023.
Martín, Jorge. "La Superficialidad de la Imagen en el Cine Actual." Cine y Sociedad, 2023.