June e John é o novo filme de Luc Besson, que foi filmado somente com um celular durante a pandemia da COVID-19. O projeto nasceu a partir de uma empresa de tecnologia que queria um curta-metragem, mas Besson decidiu transformar a ideia em um longa. O diretor, que tem ótimos filmes em sua filmografia, como O Profissional e O Quinto Elemento, possui mais erros do que acertos se considerarmos toda a sua trajetória. E aqui, ele entrega um de seus filmes mais intimistas — e também um dos mais introspectivos. Essa característica se estende até os bastidores, já que o diretor usou apenas um iPhone e contou com uma equipe de somente 12 pessoas. Além disso, o elenco principal é formado por dois atores que nunca haviam trabalhado em grandes projetos, atuando apenas em curtas ou filmes independentes.
É louvável como Besson traz pautas e temáticas que se mostram como palco para reflexões e até mesmo um material sólido para se trabalhar. No entanto, algumas de suas escolhas fazem com que June e John soe, na maior parte do tempo, superficial e como uma viagem psicodélica.
A proposta de Besson é muito bem estabelecida, abordando temas como propósito de vida, liberdade e transformações emocionais. Considero que o diretor consegue, nos primeiros 20 minutos, estabelecer muito bem a vida monótona de John — e você até cria, inicialmente, uma conexão emocional com o personagem. Seja pela boa atuação de Luke Stanton Eddy, seja pelas situações rotineiras que ele vivencia. A forma como Besson retrata essa monotonia e previsibilidade é bem trabalhada, e acredito que poderia ter se estendido um pouco mais para sustentar o contraste com o estilo de vida que John passa a adotar após conhecer June (Matilda Price). Mas, a partir do momento em que ela entra em sua vida de fato, o filme desanda completamente — e não por culpa da personagem ou da atriz, mas sim pela condução de Besson e suas escolhas para representar essa liberdade.
O filme flerta com o thriller, mas esse elemento é usado apenas como pano de fundo, servindo como motivação para manter os personagens em constante movimento, passando a sensação de uma aventura perigosa, quase como um Bonnie & Clyde moderno. No entanto, ao invés de embarcar de fato nessa aventura, o longa opta por uma jornada de redescobrimento e reavaliação da vida de John — algo que poderia funcionar, já que existe material suficiente para isso. Mas a maneira como Besson opta por conduzir essas passagens soa sem coerência, com uma edição que mais atrapalha do que faz a narrativa fluir. Besson aposta toda a história em um romance que nunca é verdadeiramente desenvolvido, o que gera uma sensação de artificialidade e uma estrutura narrativa inconsistente.
A maneira como o diretor tenta representar essas transformações, tanto visualmente quanto nos diálogos, carece de substância. Em diversos momentos, o filme dá a sensação de que tudo não passa de um sonho de John, tamanha a inconsistência e artificialidade dos acontecimentos. Você fica esperando o momento em que o protagonista vai acordar — e, sinceramente, se isso acontecesse, faria mais sentido dentro da lógica narrativa. Claro que devemos considerar a pandemia como um limitador criativo, mas certas falhas poderiam ser evitadas com um trabalho mais cuidadoso na escrita e na construção da narrativa. Afinal, Besson tinha um material promissor nas mãos, mesmo com as restrições do período.
Apesar disso, há pontos de destaque. Entre eles, a dupla Luke Stanton Eddy e Matilda Price, que se entrega ao material disponível e carrega parte do filme nas costas. Considero que os dois têm uma boa presença em cena, e, apesar do roteiro atrapalhar, a química entre eles ainda é válida. Outro mérito é o uso da paleta de cores. O diretor de fotografia Tobias Deml trabalha muito bem o contraste entre os dois estilos de vida: cores pastéis para a vida monótona de John e tons vivos e saturados nas cenas com June. É um elemento visual que se destaca e colabora com a proposta do filme.
Em resumo, June e John é um filme que tinha potencial e temas fortes para sustentar a trama, mas que sofre com decisões criativas de Luc Besson, somadas às limitações da pandemia. É uma pena, pois há charme no projeto — seja pela bela fotografia ou pela boa atuação da dupla de protagonistas —, mas tudo isso é ofuscado por escolhas equivocadas do diretor, seja na condução, na escrita ou na estrutura narrativa.