De Volta ao Mar, novo longa da diretora Nora Fingscheidt, chegou ao Brasil de forma silenciosa pelo catálogo do HBO Max no início de julho, mesmo depois de uma jornada sólida pelos festivais internacionais. O filme passou por eventos de peso como Sundance, Berlim e o Festival do Rio, e chegou a ser lembrado em premiações independentes como o Gotham Awards e o British Independent Film Awards. Apesar disso, o drama estrelado por Saoirse Ronan não encontrou espaço entre os grandes destaques da temporada, e sua chegada tímida ao streaming, sem direito a lançamento nos cinemas nacionais, já aponta que a recepção o filme não teria força para sustentar uma rodagem mais ampla.
Com uma história baseada nas memórias da autora escocesa Amy Liptrot, o longa aposta numa abordagem extremamente sensorial para tratar de temas pesados como vício, trauma e reconexão emocional. E nesse aspecto, Fingscheidt não economiza nos recursos estéticos para transmitir a turbulência interna da protagonista. A fotografia de Yunus Roy Imer é, sem dúvida, um dos elementos mais potentes do filme. Com contrastes marcantes entre os cenários frios de Londres e a natureza contemplativa das Ilhas Orkney, o visual traduz bem o conflito da personagem, que tenta se curar do alcoolismo e reconstruir sua vida após anos de autodestruição.
Saoirse Ronan, por sua vez, entrega uma das atuações mais intimistas e desafiadoras de sua carreira. A atriz, que ganhou notoriedade desde cedo com performances marcantes e que teve seu talento reafirmado nos projetos dirigidos por Greta Gerwig, vem agora numa fase mais seletiva — e De Volta ao Mar é um reflexo claro dessa busca por profundidade. Sua Rona é uma personagem dilacerada, tentando se reconstruir a partir de memórias fragmentadas e de um ambiente que desperta tanto conforto quanto dor. Ronan entrega tudo com uma sensibilidade impressionante: seus silêncios, suas recaídas e até a forma como observa o mar carregam peso dramático sem precisar de exageros.
Ainda assim, mesmo com uma performance potente e uma estética refinada, o filme se afasta de um alcance maior ao abraçar um estilo de narrativa que nem sempre encontra equilíbrio. A direção de Fingscheidt opta por uma montagem não-linear, recheada de flashbacks, recortes de lembranças da infância e alusões ao folclore escocês, tentando costurar o passado traumático de Rona com suas tentativas de sobriedade no presente. No entanto, essa estrutura acaba se tornando um obstáculo: os flashbacks quebram o ritmo com frequência e tornam a experiência mais dispersa do que profunda. Em muitos momentos, o espectador se vê navegando entre belas imagens e cenas longas demais, esperando que algo avance — o que raramente acontece de forma clara.
A escolha de entrelaçar mitologia local com a metáfora do vício poderia ter rendido um impacto simbólico mais forte, mas se perde pela insistência. Há um esforço evidente de transformar a paisagem das Ilhas Orkney em uma espécie de espelho interno da personagem, mas a carga simbólica excessiva esvazia o que deveria ser emocional. Isso é particularmente sentido no terceiro ato, em que a diretora opta por um desfecho completamente baseado nessa construção folclórica e simbólica. A sensação final é de que a diretora não sabia exatamente como encerrar a jornada de Rona e tentou sustentar a trama com abstrações visuais, o que enfraquece a mensagem que vinha sendo construída.
Apesar disso, o longa possui elementos simbólicos interessantes e bem executados. A transformação do cabelo da protagonista, por exemplo, é uma representação visual singela e eficaz da superação do vício: o azul vibrante no início, que vai desbotando à medida que ela avança na recuperação, é um detalhe pequeno, mas que diz muito. São esses momentos de sutileza — que se contrapõem ao excesso de contemplação — que tornam De Volta ao Mar um filme digno de atenção.
No fim, De Volta ao Mar é uma obra que exige paciência. É um drama lento, muitas vezes hermético, que confia mais na forma do que no conteúdo para conduzir o espectador. Não é um filme que busca agradar o grande público e nem tenta disfarçar sua densidade emocional. Ainda assim, quando se encontra com o espectador certo, no momento certo, pode funcionar como uma experiência íntima e até mesmo terapêutica. Para muitos, a jornada de Rona será apenas uma sucessão de belas imagens e silêncios vazios. Para outros, será um mergulho profundo no caos interno de alguém que tenta, a duras penas, voltar à superfície.