No atual cenário cinematográfico saturado por franquias, reboots e universos compartilhados, ver uma produção como A Lenda de Ochi surgir é, por si só, um respiro. Estreando na direção de longas, Isaiah Saxon, até então conhecido por seus trabalhos em videoclipes de estética artesanal, apresenta aqui uma obra que transborda originalidade, mas que tropeça em sua própria ambição narrativa. Lançado pela A24 – estúdio famoso por apostar em projetos autorais e visões criativas únicas – o filme parece, à primeira vista, ser mais uma daquelas joias escondidas que logo se tornam cult. No entanto, A Lenda de Ochi é mais um daqueles projetos que brilham na ideia, mas que falham na execução.
Saxon dedicou mais de seis anos ao desenvolvimento do universo de Ochi, e isso se traduz na riqueza estética e no cuidado visual de cada quadro. O uso de efeitos práticos em conjunto com CGI, em cenários reais que evocam uma fantasia quase tátil, demonstra a paixão do diretor pelo projeto. A fotografia é um dos pontos altos do filme, e ajuda a criar uma imersão nostálgica, claramente influenciada por clássicos como . e O Cristal Encantado. No entanto, essa construção de mundo, tão importante para um filme do gênero, não encontra sustentação no roteiro. O pano de fundo mitológico da espécie Ochi é apresentado de maneira rasa – resumido a uma cena introdutória e a contos soltos ao longo da narrativa – e nunca ganha a profundidade necessária para que o espectador se envolva plenamente.
A história foca na relação entre Yuri, uma jovem que não se identifica com os valores de sua família caçadora de Ochi, e o filhote da criatura título, que também está separado de sua mãe. Essa conexão simbólica entre dois seres deslocados é a espinha dorsal emocional do filme, e apesar de alguns tropeços, é o que sustenta o interesse até o desfecho. Há beleza nesse laço, especialmente nos momentos de silêncio, onde a cumplicidade se constrói através de olhares, gestos e cumplicidade. No entanto, essa relação, embora tocante, não é suficiente para carregar toda a estrutura de um longa de fantasia, que exige mais do que apenas emoção – precisa de mitologia, de conflito, de escalada dramática.
O elenco de apoio, composto por nomes de peso como Willem Dafoe, Emily Watson e Finn Wolfhard, é notoriamente subutilizado. Dafoe, apesar de uma participação mais destacada e um momento final significativo ao lado da protagonista, não tem espaço para explorar seu personagem com profundidade. Já Watson e Wolfhard se tornam meros instrumentos narrativos, surgindo pontualmente para mover a história adiante sem deixarem qualquer marca relevante.
Outro ponto que pesa contra A Lenda de Ochi é a sua estrutura narrativa. A falta de um clímax palpável, o ritmo irregular e momentos excessivamente contemplativos tornam a experiência arrastada em certos trechos. A contemplação, que poderia funcionar como ferramenta de imersão, aqui se torna um obstáculo, criando distanciamento ao invés de empatia. Para um público que talvez esteja acostumado a narrativas mais diretas e cadenciadas, o filme pode soar monótono, ainda que esteticamente encantador.
No fim, A Lenda de Ochi é uma obra que merece reconhecimento pela ousadia e pelo esforço autoral, mas que não consegue atingir o potencial de sua proposta. É um daqueles filmes que nos fazem lamentar mais pelo que poderiam ter sido do que pelo que de fato são. Isaiah Saxon demonstra sensibilidade e um olhar apurado para a estética, mas ainda carece de maturidade narrativa para transformar uma boa ideia em uma experiência completa e marcante. Seu debute é, sem dúvidas, promissor do ponto de vista visual, mas decepcionante quando se trata de construção de mundo e desenvolvimento dramático.