Encerrando a fase 5 do Universo Cinematográfico da Marvel, Thunderbolts surge como uma inesperada lufada de ar fresco dentro de um período marcado por tropeços narrativos, quedas de qualidade e um afastamento progressivo do público. Desde seu anúncio, o projeto causou desconfiança: comparações com Guardiões da Galáxia, elenco de personagens considerados coadjuvantes e uma produção repleta de percalços — incluindo recasts, reescritas e as greves de Hollywood — pareciam apontar para mais um capítulo esquecível na recente trajetória do estúdio. Mas, surpreendentemente, o longa encontra força justamente onde a Marvel parecia ter se perdido: na condução intimista, na construção emocional e no resgate de uma identidade mais centrada em contar boas histórias, mesmo sem grandiosos espetáculos visuais.
A chave dessa virada está atrás das câmeras. A Marvel reuniu uma equipe criativa que já havia brilhado em projetos da A24 — com diretor, roteirista, diretor de fotografia e designer de produção oriundos desse selo — e transplantou parte dessa sensibilidade para o universo de super-heróis. O resultado é um filme que, embora mantenha os traços do MCU, respira com personalidade própria. A decisão de trazer Sentinela e o Vácuo como catalisadores dos traumas dos personagens não é apenas ousada, como também profundamente eficaz. Aqui, Bob não é apenas uma ameaça, mas o reflexo sombrio do que se esconde nos bastidores emocionais dos protagonistas, funcionando como espelho de suas feridas, medos e memórias mal resolvidas.
O roteiro, consciente de que o público já conhece esses personagens — como Yelena, o Guardião Vermelho, o Agente Americano e a Fantasma —, não perde tempo com reintroduções. Em vez disso, mergulha diretamente nas fragilidades humanas que essas figuras carregam, por vezes sufocadas sob a fachada de força. Ao colocar seus dilemas internos no centro da narrativa, Thunderbolts faz o impensável: torna relevantes heróis outrora ignorados. Esse tema dos conflitos internos dos heróis quase não era presente no MCU — tivemos Tony Stark com crises de ansiedade e um Thor depressivo em Ultimato —, mas agora, Thunderbolts vai além ao explorar, com mais maturidade e sensibilidade, a questão da saúde mental. Os personagens, apesar de super-humanos, sofrem com angústias genuínas.
Esse peso emocional é sustentado por um elenco que cresceu tanto em prestígio quanto em desempenho. Florence Pugh, hoje uma das atrizes mais respeitadas da nova geração, entrega aqui uma das atuações mais sólidas do MCU — carregando o filme com um magnetismo poderoso e uma vulnerabilidade honesta. Sebastian Stan, David Harbour e a adição de Lewis Pullman contribuem para um conjunto coeso, onde a entrega dramática é consistente e convincente. O elenco é, sem dúvida, um dos grandes trunfos do longa, e torna possível a empatia necessária para que a proposta dramática funcione.
Ainda assim, Thunderbolts não é isento de falhas. A maior delas é a ausência de um antagonista com real impacto. O Vácuo, mesmo com potencial conceitual, carece de urgência e ameaça. O filme opta por suprimir o tradicional clímax explosivo, característica marcante da Marvel, para investir em resoluções mais contidas, o que pode gerar um sentimento de anticlímax em parte do público. A proposta, embora coerente dentro da lógica do filme, deixa a desejar no quesito tensão narrativa. Faltou aquele momento inesquecível, aquela explosão dramática que fecha o arco com força.
Contudo, é preciso reconhecer o que Thunderbolts representa. Mais do que um encerramento digno para uma fase conturbada, ele simboliza um reencontro da Marvel com o que realmente importa: boas histórias bem contadas. Ao colocar o desenvolvimento dos personagens à frente da construção de um universo maior, o filme acerta em cheio. Ele não apenas pavimenta o terreno para os próximos Vingadores, mas lembra o estúdio — e o público — que não é preciso correr desesperadamente atrás de conexões para fazer com que o MCU avance. Basta entregar uma história que nos faça importar.
No fim, Thunderbolts é um filme que surpreende pela coragem de ser menos barulhento e mais humano. Pela disposição de tratar seus personagens com profundidade e suas dores com respeito. E se ainda há espaço para crescer, é inegável que este é um passo na direção certa.