“O Homem-Cão” chega como uma surpresa no catálogo da DreamWorks e, ao mesmo tempo, como uma aposta ousada do estúdio em expandir universos já conhecidos. Para o público brasileiro, a adaptação pode soar como novidade, mas nos Estados Unidos o personagem criado por Dav Pilkey já é fenômeno editorial, assim como foi “Capitão Cueca”. O filme funciona como um spin-off dessa franquia, trazendo o mesmo espírito irreverente dos livros e apostando em um estilo visual que mistura o charme do traço infantil com a ousadia estética que a DreamWorks vem cultivando em seus últimos projetos.
De imediato, a primeira impressão é a força da animação. A obra se inspira claramente no impacto de “Aranhaverso”, adotando o modelo não-realista que valoriza a expressividade dos personagens e das cenas. No entanto, o diferencial aqui é que o filme não se limita a imitar, mas traduz esse estilo para a identidade de Pilkey. O resultado é um traço que parece saído diretamente das páginas rabiscadas dos livros, mas com um nível de detalhamento impressionante: pelagens, texturas, cenários e ambientações cheias de vida. Em alguns momentos, a estética lembra até um stop-motion, o que dá ainda mais singularidade ao projeto. É inegável que a DreamWorks acertou em cheio nesse aspecto, oferecendo ao público uma das animações mais inventivas e visualmente marcantes dos últimos anos.
A direção ficou nas mãos do veterano Peter Hastings, conhecido por trabalhos icônicos como “Animaniacs” e “Pinky e o Cérebro”. E é justamente desse repertório que ele traz a energia caótica que permeia todo o filme. O ritmo é acelerado, quase sem pausas, com uma sucessão de gags visuais, cores vibrantes e acontecimentos que se empilham cena após cena. É um estilo pensado claramente para o público infantil, em especial a nova geração que parece ter uma atenção mais fragmentada e precisa de estímulos constantes. A estratégia funciona, já que o filme dificilmente perde o interesse das crianças, mas cobra um preço: para os adultos, a experiência pode soar cansativa, já que praticamente não existem momentos de respiro. O longa vive em estado de frenesi, como se tivesse medo de parar e perder o espectador.
Essa contradição é um dos pontos mais curiosos de “O Homem-Cão”. Se, por um lado, ele se assume como um filme para crianças, com classificação livre e humor escrachado, por outro, não hesita em inserir situações e piadas que dialogam com um público mais velho. Algumas delas funcionam muito bem e arrancam risadas sinceras, especialmente graças à dublagem brasileira, que encontra espaço para incluir gírias e expressões que soam naturais. Mas há momentos em que esse equilíbrio se perde. O filme flerta com temáticas e imagens que podem soar estranhas em uma obra feita para os pequenos, como a própria explicação do porquê do protagonista ser metade homem e metade cão. É uma mistura de ingenuidade com bizarrice, que pode deixar parte do público sem saber exatamente para quem a história foi pensada.
Ainda assim, essa ambiguidade não é um desastre. Pelo contrário: em alguns pontos, o excesso de energia e a mistura de referências acabam se tornando parte do charme da produção. “O Homem-Cão” é um filme que abraça a lógica do exagero, e é justamente isso que pode conquistar tanto as crianças quanto alguns adultos dispostos a entrar no jogo. Há cenas de humor bobo que funcionam bem porque não se levam a sério, lembrando que a essência da obra está no espírito infantil dos livros de Pilkey. Essa fidelidade ao material original, aliada à liberdade criativa do estúdio, é o que faz a animação se sustentar, mesmo quando parece tropeçar no próprio ritmo.
No campo técnico, o filme também merece elogios. A DreamWorks não utilizou os mesmos parceiros de “Aranhaverso”, mas reuniu estúdios que conseguiram entregar um resultado impecável. A construção da cidade, dos cenários e do universo em que os personagens vivem é rica em detalhes, sem nunca perder o tom cartunesco. É uma animação que não busca o realismo, mas encontra sua força justamente em ser estilizada. Nesse ponto, “O Homem-Cão” dialoga com outros títulos recentes do estúdio, como “Gato de Botas 2”, “Os Caras Malvados 2” e o inédito “Robo Selvagem”. Todos eles seguem a mesma lógica: abrir mão do realismo absoluto em favor de uma linguagem autoral, que dá personalidade às produções.
O saldo final é positivo, mas não sem ressalvas. Para os adultos, a ausência de pausas e a insistência em manter a tela sempre preenchida pode tornar a experiência exaustiva. Para as crianças, no entanto, esse mesmo ritmo frenético é justamente o que garante a diversão. É um filme feito para não perder a atenção do público jovem, e nesse sentido cumpre sua missão. A questão é que, ao tentar conversar com mais de uma faixa etária ao mesmo tempo, “O Homem-Cão” pode soar um pouco perdido em sua proposta. Ainda assim, isso não diminui a surpresa que ele representa: uma obra que parecia improvável ganhar uma adaptação tão cuidadosa e que, no fim das contas, se mostra um projeto carismático, engraçado e visualmente deslumbrante.
Em resumo, “O Homem-Cão” é mais do que um derivado de “Capitão Cueca”: é uma animação que se arrisca e encontra identidade própria. Tem ritmo acelerado demais? Sim. Pode cansar espectadores mais velhos? Também. Mas é justamente nesse caos colorido e exagerado que o filme encontra sua força, encantando as crianças e surpreendendo quem não esperava nada além de um passatempo descartável. No fim, o resultado é uma das boas surpresas de 2025, um filme que consegue arrancar risadas bobas, impressionar visualmente e reforçar a versatilidade da DreamWorks em explorar estilos e públicos sem medo de ousar.