“Anônimo 2” chega aos cinemas em um mês já lotado de sequências, dividindo espaço com títulos como Uma Sexta-Feira Mais Louca Ainda, Corra que a Polícia Vem Aí e Os Caras Malvados 2. Em meio a essa maratona de continuações, o longa estrelado por Bob Odenkirk se destaca não apenas pela mudança de direção, mas também por assumir uma identidade própria dentro do gênero de ação. Se no primeiro filme a maior surpresa era justamente ver o ator, conhecido por papéis dramáticos, se transformar em um improvável herói de ação, agora o desafio é outro: como manter o interesse quando já não existe mais o fator surpresa?
A resposta vem de duas escolhas ousadas. A primeira é a troca no comando. Sai Ilya Naishuller, que conduziu o original, e entra Timo Tjahjanto, cineasta indonésio conhecido pelo explosivo A Noite nos Persegue. Essa mudança já sinaliza que a sequência não teria a mesma cadência visual e narrativa do anterior. Timo imprime um estilo mais físico, quase visceral, que se apoia na brutalidade dos combates corporais, mas também flerta com uma leveza inesperada, já que o filme abraça um tom cômico bem mais presente. A segunda escolha é deixar claro que esta é uma continuação menos sombria, mais próxima do espírito dos filmes de ação B dos anos 80, em que a diversão e o exagero estão acima de qualquer pretensão de realismo.
Bob Odenkirk se mostra mais uma vez como o motor do projeto. Aos 62 anos, ele prova que ainda tem energia de sobra para entregar sequências de ação intensas, mas, ao mesmo tempo, transita entre o humor e os momentos mais sérios com uma naturalidade impressionante. O curioso é que, se no primeiro filme havia espaço para explorar a profundidade psicológica de Hutch, aqui essa camada é praticamente abandonada. A trama aposta em um caminho mais leve: transformar a família do protagonista em peça central da narrativa, colocando todos em uma viagem que serve como pano de fundo para os novos conflitos. A escolha é válida no sentido de evitar a repetição exata da fórmula anterior, mas também limita o potencial de expandir o universo do personagem. O espectador termina a sessão com a sensação de que a história pessoal de Hutch ainda guarda muitos segredos que poderiam ser explorados — possivelmente em um terceiro filme ou até em um prelúdio.
Esse movimento de abrir mão do aprofundamento em troca de uma trama familiar é o que gera uma das principais contradições da sequência. Ao mesmo tempo em que o filme tenta se diferenciar do primeiro, acaba recorrendo a repetições disfarçadas. É o caso da cena inicial, que remete à abertura do original, e da luta dentro de um ônibus — agora em um barco e em escala menor, mas ainda assim divertida. A diferença é que, em vez de tentar recriar a tensão ou a dramaticidade do passado, “Anônimo 2” assume seu lado mais despretensioso. O resultado é uma narrativa que sabe que está apoiada em muletas narrativas, mas que se mantém de pé justamente pela energia cômica e pela criatividade das lutas.
Aqui entra a questão do estilo de Timo Tjahjanto. Hollywood tem seguido uma tendência clara de tentar reproduzir o modelo “John Wick”, que virou referência de ação no cinema contemporâneo. Para fugir dessa sombra, os estúdios passaram a buscar diretores de outros países, com olhares autorais e estilos marcantes. O problema é que, ao contratá-los, muitas vezes não oferecem a liberdade criativa necessária. Em “Anônimo 2”, isso fica evidente. Tjahjanto traz alguns de seus traços mais característicos, como o uso de combates físicos intensos e coreografias elaboradas, mas em vários momentos parece contido, como se tivesse que trabalhar dentro de limites impostos pelo estúdio. Ainda assim, quando consegue imprimir sua marca, entrega cenas mais inventivas e ousadas que as do primeiro filme.
Bob Odenkirk, em entrevistas, chegou a comentar que queria que algumas sequências lembrassem os filmes de Jackie Chan — não apenas pelo humor físico, mas pela forma como o corpo do ator, com todas as suas limitações, vira parte da narrativa. Essa escolha é inteligente, porque usa a idade do protagonista a favor da história. Odenkirk não é um super-humano imbatível, mas um homem comum que luta com criatividade e resiliência. O uso de dublês, embora inevitável, é feito com tanta naturalidade que as transições passam quase despercebidas, o que aumenta ainda mais o impacto da ação.
O ponto frágil, porém, continua sendo o roteiro. Se no primeiro filme havia pelo menos uma tentativa de desenvolver Hutch e seu passado misterioso, aqui o texto se contenta em criar pontos de apoio para ligar uma cena à outra. É como se as motivações fossem apenas pretextos para a próxima luta, e os coadjuvantes acabam reduzidos a engrenagens funcionais. Em contrapartida, a energia de Odenkirk compensa boa parte dessas falhas. Seu carisma é tão forte que, mesmo quando a narrativa falha em criar tensão ou suspense, ele mantém o público interessado. Poucos atores conseguem carregar um filme inteiro apenas com presença e versatilidade, mas esse é exatamente o caso aqui.
Além dele, vale destacar a participação de Christopher Lloyd, que, aos 86 anos, continua roubando cenas com seu carisma. Sua presença é pequena, mas traz uma aura especial, quase nostálgica, que conecta a sequência a um espírito mais clássico do cinema de ação. É um detalhe que pode passar despercebido, mas que reforça o tom mais leve e divertido do longa.
No fim, “Anônimo 2” é um caso curioso de sequência que consegue manter o nível do original sem ser uma simples cópia. É um filme que muda de tom, de ritmo e até de estilo de direção, mas que permanece fiel a um objetivo: entreter. Sim, falta aprofundamento dramático e sobra conveniência no roteiro, mas o público que busca um filme de ação mais solto, com lutas criativas e um herói carismático, dificilmente sairá decepcionado. A grande pergunta que fica é até quando Bob Odenkirk conseguirá sustentar sozinho uma franquia que depende quase inteiramente dele. Por enquanto, a resposta é clara: enquanto ele se divertir, nós também vamos.