Minha conta
    Que o Verão Nunca Mais Volte
    Críticas AdoroCinema
    2,5
    Regular
    Que o Verão Nunca Mais Volte

    História de amor sem amor

    por Bruno Carmelo

    O primeiro elemento de destaque nesta produção é sua própria imagem. A tela em formato próximo do quadrado ostenta uma imagem pixelizada, de baixíssima qualidade, como num VHS antigo. Os personagens, vistos de longe, não têm rosto: eles se tornam borrões em movimento. Eles também não conversam entre si. Na falta de diálogos em som direto, é uma narradora que explica o que estariam dizendo uns aos outros. A dança dos pixels é tão frenética que às vezes beira a animação, ou a abstração. Que o Verão Nunca Mais Volte vale mais pelo que oculta do que pelo que revela.

    O diretor Alexandre Koberidze tem plena consciência do estranhamento que provoca, e explora este recurso com bom humor. Uma trilha sonora jocosa ou solene demais aparece nos momentos mais banais, enquanto letreiros chamam a atenção para o corriqueiro: “Atenção: uma árvore! Em dificuldades!”, aponta uma cartela antes de vermos um galhinho tremendo ao vento. Brinca-se com o tom despojado e comprometido, com a gravidade e a leveza. Em suas pequenas incursões humorísticas, o cineasta acena ao cinema mudo, à pantomima. São múltiplas referências para um filme metalinguístico sem necessariamente tratar de cinema.

    De acordo com a sinopse, a história gira em torno de um bailarino, viajando ao outro canto da Geórgia para fazer um teste numa companhia. Como o teste é adiado, ele permanece no local, e ganha a vida se prostituindo, ou participando de brigas de rua. Andando pelas ruas da cidade, conhece um policial por quem se apaixona. Estas informações sugerem uma linearidade e uma conexão entre som e imagem que inexistem no filme. Não vemos o dançarino dançar, não vemos o garoto de programa se prostituir, não vemos o lutador combater, não vemos o policial efetuar seu trabalho. Enquanto eles supostamente desempenham estas tarefas, a câmera permanece do lado de fora dos cômodos. A narradora poderia sugerir que eles se tornam super-heróis ou qualquer outra fantasia improvável. Tanto faz. Somos obrigados a acreditar na palavra dela.

    Esta escolha gera um curioso efeito de distanciamento, de brincadeira inconsequente. O cinema perde seu caráter referencial, seu potencial narrativo, tornando-se um faz de conta, um jogo para estimular a imaginação do espectador. Por um lado, o recurso poderia ser lido como linguagem lúdica, ingênua. Por outro lado, impede qualquer adesão aos personagens, desprovidos de complexidade. O dançarino e o policial, homens sem nome, não ganham uma psicologia, um temperamento, uma voz própria. Eles não possuem particularidades, limitando-se a corpos em movimento, como bonecos movidos pelas mãos de uma criança criativa.

    Em meio às deambulações, Que o Verão Nunca Mais Volte capta alguns relances das cidades do país, com os jovens, os cachorros, os adultos caminhando ao trabalho. Algumas pessoas inclusive olham diretamente para a câmera, e a montagem conserva as cenas. Este registro documental, em segundo plano, poderia servir de estofo para a obra representar, indiretamente, um sintoma da inadequação do país, ou da situação política e social contemporânea. Mas estas seriam especulações que o filme não pretende desenvolver. Seu personagem não é a Geórgia, não é o dançarino nem o policial, e sim a própria linguagem cinematográfica, distorcida e remixada a gosto. Entre pixels e músicas dançantes, os seres humanos servem apenas para rechear imagens.

    Filme visto no X Janela Internacional de Cinema do Recife, em novembro de 2017.

    Quer ver mais críticas?

    Comentários

    Back to Top