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    Eu, Meu Pai e os Cariocas - 70 Anos de Música no Brasil
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Eu, Meu Pai e os Cariocas - 70 Anos de Música no Brasil

    Ele é Carioca, basta o jeitinho de cantar

    por Taiani Mendes

    Conhecida pelo trabalho como atriz, Lúcia Veríssimo desde o nascimento teve muita arte correndo nas veias, sendo filha de Severino Filho e sobrinha de Ismael Neto, irmãos fundadores do lendário grupo Os Cariocas. A conexão familiar, ignorada por muita gente, é o âmago do documentário Eu, Meu Pai e Os Cariocas - 70 Anos de Música no Brasil, híbrido de aula musical de História e homenagem inesperadamente póstuma, pois Severino acabou falecendo antes do lançamento.

    Produtora, diretora, roteirista e filha do protagonista, a polivalente Lúcia assume também o papel de narradora, partindo do contexto político. O cancioneiro nacional em voga sempre refletiu a presidência do país, ela sustenta, iniciando com Getúlio Vargas e a supremacia da Rádio Nacional. Na emissora oficial do Estado Novo o conjunto vocal fez fama, chamando a atenção do público e da classe artística, todos impressionados pela harmonização das vozes masculinas. Sem restrições de gênero e bem-sucedidos principalmente no samba-canção, Os Cariocas fizeram inteligente transição para a bossa nova, amparados pelos fãs João Gilberto e Tom Jobim, quando o país se modificou com Juscelino Kubitschek no poder.

    Para contar a história, que tem bom e amplo segmento dedicado à ditadura e chega até os dias de hoje, pós-impeachment de Dilma Rousseff, a diretora abusa de depoimentos dos medalhões da MPB (Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa, Maria Bethânia, Chico Buarque) e dezenas de cantores, pesquisadores e compositores. A pluralidade de testemunhos é uma riqueza que dá a exata dimensão da influência d'Os Cariocas sobre no mínimo duas gerações, no entanto a quantidade de participações chega ao exagero, com a surpresa gerada por cada nova picotada aparição até ofuscando o assunto que está sendo tratado. Como muitos fazem comentários semelhantes, o discurso eventualmente é exposto em forma de jogral, o que é divertido uma vez, mas não mais do que isso.

    Todos compartilham o desejo de ser o "5º Carioca" – diferente da primeira, a formação mais recente era de quatro pessoas – , porém ignorando o que está sendo dito, é como se cada depoente estivesse em um filme diferente. Não há unidade visual no projeto e é perceptível a mudança de equipamento e estilo da direção de fotografia ao longo da produção. Grande trunfo do documentário, a familiaridade de Lúcia com os principais entrevistados deixa as conversas descontraídas e chega a ser um desperdício a não adoção do plano/contra-plano nos diálogos com Severino, por exemplo, quando a troca é mais intensa e carregada de emoção parental.

    O virtuoso tem seu posto de homenageado preservado pelos olhos carinhosos da filha, mas a profusão de músicos acaba por tomar espaço dos outros membros do conjunto, que poderiam ser mais aprofundados. Apesar de uma ou outra revelação de bastidores contada por Badeco, o público não chega a ter a privilegiada sensação de conhecer intimamente o grupo e sua dinâmica para além dos fatos, apresentações e guinadas na carreira.

    Eu, Meu Pai e os Cariocas - 70 Anos de Música no Brasil não é um título enganador. Grande na duração, no nome e na ambição, o documentário realmente se propõe a abordar Lúcia Veríssimo herdeira atuando como jornalista; Severino Filho pai, arranjador e músico; Os Cariocas; e sete décadas de canção brasileira; além da instável política nacional. Diretora estreante, Veríssimo impressiona ao conseguir condensar tudo isso no longa-metragem de maneira fluída, ainda que seja óbvio que a abundância de temas e depoimentos caberia mais confortavelmente no formato minissérie.

    O amor de filha direciona a obra ao coração, pegando o caminho da memória, mas inúmeros encontros durante o percurso apresentam trilhas alternativas que levam a desvios perigosos da rota. Seria melhor se a despedida fosse dominada por Lúcia, Severino e Os Cariocas – o que o filme tem de melhor –, não o saudosismo dos envolvidos nos "70 Anos de Música no Brasil", que entram na onda da desgastada e cafona crítica ao que toca hoje no rádio, à decadência do gosto popular brasileiro e ao esquecimento da música brasileira de qualidade. Atentos aos sinais e abertos às transformações, Os Cariocas não eram tão esnobes.

    Filme visto no 10º Festival CineMúsica, em novembro de 2017.

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