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    Silvio e os Outros
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Silvio e os Outros

    O vendedor de sonhos

    por Francisco Russo

    "A única coisa que importa é que você acredite em mim, mesmo que seja uma mentira."

    O mantra acima poderia ser aplicado a qualquer político populista que se preocupa mais com a reação provocada do que propriamente a responsabilidade perante o que diz, mas se refere especificamente a Silvio Berlusconi, ex-primeiro-ministro italiano, já em sua reta final de carreira política. Amado e odiado, Berlusconi tornou-se símbolo de uma Itália contemporânea tanto no que representa quanto em seus anseios, deixando para trás todo e qualquer requinte em nome do populismo exacerbado, muitas vezes resvalando no vulgar. É nesta faceta que está o interesse maior do diretor (e também roteirista) Paolo Sorrentino nesta "reinterpretação puramente artística", como alertam os créditos iniciais, ao ponto de forjar um longo preâmbulo sem seu personagem principal apenas para refletir o que ele representa.

    Para tanto, há uma boa dose de A Grande Beleza no primeiro ato de Silvio e os Outros. Calcado no cafetão Sergio Morra (Riccardo Scamarcio, carismático como sempre), o início do longa-metragem embriaga o espectador com uma sucessão de sequências embevecidas de luxúria e tesão, drogas e fascinação, tudo pontuado por diálogos que ressaltam não só o exagero, mas também a dependência deste em um ritmo de vida baseado na sobrevivência através do politicamente incorreto. Apesar de ganhar muito dinheiro (e mulheres), Morra quer mais. Quer ser que nem Berlusconi e ascender na seara social, entrando para a política. Não por acaso, seu fascínio e insistente tentativa em encontrá-lo.

    Curiosamente, é a partir da primeira aparição de Toni Servillo como Berlusconi, lá pelos 40 minutos do longa-metragem, que o mesmo tem seu ritmo bruscamente alterado. Saem as festas ensandecidas e entram o carisma e a lábia de Berlusconi, capaz de dizer o mantra do início deste texto com um imenso sorriso no rosto. O ritmo da narrativa se adequa à idade de seu personagem principal, aos 70 anos, o que faz com que o próprio texto seja melhor trabalhado. Não há mais a necessidade de entorpecer o espectador, é hora de apresentar o porquê dele ser tão popular e seu modus operandi, na política e na vida.

    Neste aspecto, há sequências explêndidas em Silvio e os Outros. A ligação telefônica a uma desconhecida é de uma riqueza enorme, seja pela dinâmica de narrativa ou mesmo para compreender a tática de sedução tão empregada por Berlusconi, não por acaso conhecido como vendedor de sonhos. A conversa em que dois Toni Servillo surgem em cena também merece destaque, não só por ressaltar a qualidade e versatilidade do ator mas também pelo diálogo empregado, um dos raros momentos em que Berlusconi é confrontado. A partir de tais momentos, por vezes isolados e sem ter uma conexão mais escancarada com o decorrer da história, pode-se moldar a personalidade de Berlusconi, ao menos este que Sorrentino deseja apresentar.

    No terceiro ato há enfim o encontro entre as duas vertentes até então apresentadas neste longa-metragem, quando o mundo exagerado de Morra encontra seu ídolo e reflexo. Mais uma vez Sorrentino altera o ritmo do filme, não de forma tão brusca, para ressaltar o momento de vida do personagem: aos 70 anos, os hábitos tão conhecidos nem sempre têm o mesmo retorno.

    Analisando como um todo, Silvio e os Outros é um filme bastante interessante pela estrutura estabelecida por Sorrentino, abrindo mão de uma coesão maior de roteiro em nome de uma percepção mais sensorial sobre quem é Silvio Berlusconi. É claro que uma proposta deste porte também traz consequências negativas, seja por uma obsessão do diretor por cenas um tanto quanto estranhas que chamem a atenção - a da cabra no ar condicionado, logo no iníco do filme - ou mesmo pelo excesso transferido também à duração. Com 150 minutos, o longa-metragem traz momentos de brilhantismo e outros de cansaço, em parte devido à desconexão existente no roteiro envolvendo seus personagens principais.

    No mais, trata-se de um filme com a assinatura clássica de Paolo Sorrentino, com sua câmera flutuante que navega livremente pelo cenário, por vezes buscando enquadramentos que melhor valorizem o widescreen, e o fetichismo por mulheres que o diretor tão bem demonstrou anteriormente, seja em A Grande Beleza ou mesmo em A Juventude. Com Toni Servillo em boa forma, mesmo limitado pela maquiagem e o sorriso constante de seu homenageado, trata-se de um filme que mais uma vez ressalta seu diretor como um pensador do cinema, mais interessado na forma de contar uma história do que propriamente em ser facilmente compreendido pelo público. Ainda bem.

    Filme visto no 8 ½ Festa do Cinema Italiano, em agosto de 2019.

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