O espaço sempre pareceu algo tão misterioso que só o fato de imaginarmos sua imensidão toda era suficiente para associarmos inúmeras questões de nossas vidas a este desconhecido – de onde viemos, para onde vamos, qual o sentido da vida? Sempre traçado pela ciência como o inicio da vida e, supostamente, o destino final, pois cada vez mais que nos aproveitamos de nosso planeta, temos a impressão de que um dia precisaremos sair daqui, pela falta de recursos, a exploração espacial no cinema sempre nos indagou várias questões filosóficas – seja a evolução de nosso conhecimento (2001, de Kubrick), nosso apego a ilusões e sentimentos (o clássico soviético, Solaris) ou a influência do amor para humanidade (Interestelar) e até mesmo a motivação para encarar a vida (Gravidade). Seguindo essa linha, temos agora Ad Astra, ficção cientifica do diretor James Gray (de Z – A Cidade Perdida), disposta, praticamente, a mesclar um pouco de cada elemento destes filmes que citei – mesmo que de maneira curiosa, esta nova aventura espacial está a alguns anos-luz de ser memorável e reflexiva como as tais produções que se assemelha.
Ad Astra nos conta a história do astronauta Roy (Brad Pitt), que, em um futuro não muito distante, é designado para uma missão até o planeta Netuno, onde quase trinta anos antes seu pai, Clifford (Lee Jones), foi dado como desaparecido em outra expedição. O objetivo agora é tentar encontrar o pai de Roy, que pode solucionar uma espécie de tempestade espacial, que está causando inúmeras catástrofes na terra; frio e metódico, Roy embarca para a missão tentando não demonstrar todo o desconforto que seu passado lhe traz, dada sua relação áspera com o pai no passado e ainda por estar passando por um relacionamento amoroso problemático com a esposa Eve (Tyler); a medida que os mistérios da missão são revelados, Roy começa a desconfiar da lealdade das autoridades por trás da viagem – além de refletir pelo sentido de sua vida e trabalho.
Com um primeiro ato bastante claro e objetivo, com uma sequência de ação muito bem feita, onde Roy despenca de uma enorme estação espacial, o diretor James Grey nos apresenta ao personagem de Pitt – um homem fechado, rígido, disciplinado ao extremo, que não hesita em aceitar as ordens de seus superiores – sendo assim, para transmitir seu estado real de sentimento, Grey felizmente opta por uma narração em off do próprio Roy, para que entendamos o que se passa em sua mente – um homem que não vê a hora de terminar seu trabalho, pois não o suporta – não atura o clima falso entre os colegas de trabalho, não agüenta a comparação com o pai, que é um cientista/astronauta renomado, mesmo desaparecido – Brad Pitt se sai muito bem em uma composição muito discreta, conforme o personagem pede – a frieza estampada em seu rosto se reflete em várias de suas atitudes – como, durante um conflito em território lunar, ao se desfazer do corpo de um colega sem o menor remorso – apenas para prosseguir na missão – mas, nesse aspecto de trabalhar na construção de personalidade do protagonista, o roteiro, do próprio Grey, escorrega com a forma pouco inspirada como insere os flashbacks mostrando a falta de dialogo entre Roy e Eve – tão pouco inserida que não temos nem a chance de vermos direito a composição de Liv Tyler – assim como não deixa de ser superficial os insossos flashbacks mostrando o personagem de Pitt no passado com o pai , que, vivido por Tommy Lee Jones, é um personagem que tem um desenvolvimento mínimo para que entendamos sua personalidade e apego a sua profissão – sua determinação em encontrar vida inteligente fora da Terra fica bem longe de ser compreendida – e, ao tentar inserir uma ligação religiosa à isso, torna-se ainda mais enfadonho – só não ficando mais implausível devido ao evidente talento de Jones, um ator poderoso, realmente.
Mas, ao seguir para os próximos atos, Grey desaponta por não saber dosar a tensão e a emoção pela qual Roy passa – fica claro que o roteiro necessita de chavões e até alguns furos para prosseguir – e nisso incluo a forma como o astronauta precisa invadir uma nave em Marte – onde algo grave acontece e a relevância disso é completamente ignorada mais tarde – descrevo simploriamente isso para não dar spoiler, é claro – sem falar no uso de personagens que entram em cena sem propósito e saem da mesma forma – como é o caso da capitã Hellen de Ruth Negga e, pior ainda, com o veterano Donald Sutherland, que aparece para dar uns conselhos para Roy, passear com ele e sair de cena – uma pena desperdiçar um grande ator assim.
A intenção de Grey é ser pretensioso, de fato – e, isto, por si só, não é um problema, desde que haja uma boa bagagem intelectual por trás – e isso Ad Astra não tem, lamentavelmente. Como disse antes, o primeiro ato situa bem a busca por sentido e propósito na vida por parte de Roy – mas, e aí? Qual a resposta? O que ele quer? Somente a reconciliação com o pai? Cumprir a missão e salvar a Terra? O segundo ato se apresenta arrastado – mostrando que desenvolver lentamente as situações não significa que combine com o fato de que viagem no espaço é algo demorado – nesse sentido, o mestre Kubrick soube dosar isso perfeitamente com seu 2001, porque lá, obviamente, havia profundidade e complexidade. O que acontece com Ad Astra é que temos apenas indagações parecidas (ou imitadas mesmo) de filmes como Solaris – trocando aqui a esposa falecida pelo pai desaparecido de Roy – ou a busca de sentido na vida após algum trauma – como acontecia com Sandra Bullock em Gravidade. Só resta alguma critica social-politica ao fato de haver um pano de fundo que apresenta este mundo futurista afetado por interesses políticos entre os países que exploram o espaço – como demonstrado na cena em Marte e na Lua – onde acontece uma das poucas cenas de ação do filme – assim como o momento em que a missão de Roy se depara com uma nave Norueguesa a deriva no espaço – momento mais tenso do filme, inclusive – mas que não agrega quase nada a narrativa.
E, infelizmente, em seu terceiro ato, Grey se esquece completamente de criar qualquer tensão ou mistério – optando por tentar emocionar – e, claro, fracassando, porque ele não desenvolveu isso bem antes da metade do longa. Deixando algumas coisas até mesmo sem sentido – como a origem da tempestade de raios – uma ficção cientifica que não apresenta... fatos científicos? – mas, ao menos, ele difere de outros filmes do gênero, por oferecer uma solução para a missão do pai de Roy no mínimo inusitada – mas nada grandiosa, digamos assim.
E falando em grandiosidade, Ad Astra, propositalmente, tenta ser simplório em sua concepção visual – que apesar de bem fotografada, é como se fosse uma homenagem a ficção cientifica retro – as “caminhadas espaciais” obviamente nos trazem a cenas parecidas vistas em 2001 e em Sem Rumo no Espaço – e a vista dos planetas do espaço não deixam de lembrar as antigas matte paintings que víamos em Jornada nas Estrelas, por exemplo. O design de produção também tenta seguir esta linha, ao inserir objetos de cena nas naves que remetem as naves antigas da corrida espacial americana, dos anos 60 – obvia homenagem aos pioneiros da exploração espacial. Há ainda o uso um tanto descordenado dos efeitos sonoros – como o som não se propaga no espaço, as cenas oscilam entre apresentar sons de foguetes ou serem silenciadas, não mantendo um padrão.
Ou seja, acaba sendo uma discrepância que, lamentavelmente, se encaixa a falta de propósito do restante do longa – na verdade, há um propósito. Mas, ao chegarmos nele, não deixa de ser simplório e até ingênuo – sem falar que se assemelha imensamente com o final de um dos filmes que citei no inicio – o que é decepcionante, se levarmos em conta as ótimas atuações de Brad Pitt e Tommy Lee Jones e o quase promissor primeiro ato – infelizmente Ad Astra só caminha para um rumo convencional demais, sem estabelecer em suas duas horas de projeção algo inquietante ou relativamente reflexivo, como toda boa ficção cientifica faz.