James Bond e seu mar de ilusão
Não podia ser diferente: você entra na sala de cinema, se acomoda, nem mal coloca a primeira pipoca na boca e, assim que o filme começa, aquela avalanche de cenas de ação toma conta da sua visão. Em "007 Contra Spectre", do diretor Sam Mendes, assim como todo longa da franquia com James Bond como protagonista, as armas cinematográficas são esses cortes de ação, precisos, milimetricamente desenhados, melindrosamente estudados. O plano-sequência da primeira cena, em uma tomada na Cidade do México, em pleno Dia de Finados, em uma confusão numa espécie de desfile do dia dos mortos, já declara abertamente o que o espectador verá nas próximas duas horas e meia de filme, o que o agente 007 faz de melhor: correr, lutar, brigar, bater, vencer, conseguir tudo o que quer por meio das melhores habilidades de um espião renomado e inesquecível.
Daniel Craig, aliás, já mostrou que é o Bond contemporâneo mais cheio de energia e vitalidade da história dos "007". O ator tem um vigor impressionante, algo que te deixa realmente acreditando que ele pode fazer todos aqueles movimentos surreais e sair vitorioso em tudo. As perseguições de carro em Roma, num avião sem asas na Áustria ou dentro de um vagão em movimento na África não me deixam mentir. E é justamente sobre este ponto, sobre a mentira e o exagero, que estamos terminantemente proibidos de aprofundar quando assistimos a um "007". É tanta cena fora da realidade que, se a gente não mergulhar na história e entender que a linha cinematográfica da série é essa, você levanta da poltrona nos primeiros dez minutos de filme e sai da sessão falando mal até da última geração desse tal James 'Maguiyver' Bond.
E, definitivamente, essa não é a proposta. Essa imersão ao mundo do bonitão britânico deve acontecer naturalmente, sem sofrimento ou dúvidas... tal como você ter certeza de que ele nunca perde na primeira luta. Nem na segunda, nem na terceira. Como você saber que, no mínimo, três Bond Girls vão pra cama com ele a cada longa. Como você ver o cara lutar o mais abruptamente possível e terminar o embate impecável, em seu terno inglês caro sem nenhuma mancha de sujeira ou o cabelo sem nenhum fio desalinhado.
O fato é que nós sempre temos escolha: de assistir e mergulhar na história; de criticar e levantar da poltrona - porém, assim, perder um momento de lazer tão diferente e inovador. Sim, inovador, porque, a cada cena de perseguição ou de luta, ou a cada filme do Bond, ou do "Missão Impossível" de Tom Cruise, ou do "Duro de Matar" de Bruce Willis, tudo é muito novo... tudo é cada vez mais inacreditável, inverossímil, surreal. Vou ser sincero: não curto muito filme de ação, não. Mas se a proposta é imergir na roleta russa do discutível e do inaceitável, por que não escolher a diversão? A vida é muito curta pra não provar de todos os sabores. Mantenha seus gostos, eles são a sua imagem. Mas nada melhor que literalmente viajar no mundo de um agente secreto imbatível pra perceber que você pode "voar sem ter asas, caminhar sem tirar os pés do chão, sonhar acordado, navegar em um mar de ilusão".