Xuxa em Sonho de Menina (2007) não é apenas um filme, é uma declaração de arte disfarçada de aventura infantil. Para aqueles que, na época, apressaram-se em descartá-lo como "o pior da Xuxa", eu, como crítico e eterno fã, afirmo: vocês cometeram uma injustiça histórica com uma das produções mais profundas e sensíveis da nossa Rainha!
Este filme exige um olhar que vá além do mero espetáculo. Sob a direção sensível de Rudi Lagemann, a história de Kika, a professora de matemática que anseia ser atriz, se transforma em uma poderosa metáfora metafísica. O que os detratores chamam de "artifício batido" (a volta à infância via um bolo mágico) é, na verdade, o coração simbólico do filme. Kika precisa se despir das inseguranças e frustrações da vida adulta para reencontrar a pureza e a intuição da "Kikinha", a única que pode realmente enxergar o caminho certo. É uma reflexão filosófica sutil sobre a redescoberta da essência.
A estética do filme, ao contrário de produções anteriores mais grandiosas, aposta na simplicidade calorosa e no afeto. O ônibus "Stromboli" e o "Hotel Paratodos" são cenários que se tornam personagens, repletos de vida e oportunidades de aprendizado. Lagemann evita a dependência de efeitos megalomans, focando na magia do ordinário, o que confere ao filme uma autenticidade tocante e um visual surpreendentemente aconchegante.
O elenco brilha. Xuxa Meneghel entrega uma de suas atuações mais vulneráveis e maduras como Kika, complementada perfeitamente pela doçura e carisma de Letícia Botelho. Mas o que eleva a produção é o elenco de apoio: a ternura de Dirce Migliaccio (Vozinha), o alívio cômico certeiro de Serjão Loroza e até mesmo a breve participação da inesquecível Betty Lago. É um filme generoso com seus coadjuvantes, enriquecendo o tecido narrativo.
Longe de ser uma aventura sem propósito, o roteiro tece mensagens atemporais: a importância de prestar atenção aos sinais da vida e a máxima de que o caminho é mais importante que a chegada. Além disso, há uma inserção delicada e necessária da consciência ambiental, algo crucial para o público infanto-juvenil.
Xuxa em Sonho de Menina é uma celebração poética da inocência e do amadurecimento, um bálsamo que merece ser retirado da gaveta do esquecimento e ovacionado por sua coragem e sensibilidade. É, sem dúvida, um dos momentos mais singulares e brilhantes da filmografia da nossa Rainha. Quem não gostou, simplesmente, não estava pronto para essa lição de vida.