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    Rebeldes do Deus Neon
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    André C.
    André C.

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    5,0
    Enviada em 7 de julho de 2017
    "A vida é como um pêndulo, que vai de trás para frente, oscilando entre o tédio e o sofrimento."
    Arthur Schopenhauer

    Dirigido por Tsai Ming-Liang, Rebeldes do Deus Neon (青少年哪吒) com toda a certeza é o meu filme não-animado predileto do cinema asiático. O drama conta a história de quatro jovens vivendo num ambiente urbano... Que, de tão urbano, chega a ser distópico. É uma obra-prima divisível em camadas que não só se mostra como uma crítica severa ao estilo de vida consumista capitalista, mas também discute temas como a modernidade líquida e o vazio existencial que assombra a vida de milhões de pessoas pelo mundo, decorrentes do sistema econômico e político vigente.

    Os personagens têm emoções complexas e são inacreditavelmente orgânicos, e esse fator essencial para um bom drama psicológico ainda é complementado com as atuações irretocáveis de Lee Kang-sheng (como Hsiao Kang), Chen Chao-jung (como Ah-Tse), Jen Chang-bin (como Ah-Ping), Wang Yu-wen (como Ah-Kuei), Lu Yi-ching (como a mãe de Hsiao) e Miao Tien (como pai de Hsiao).

    A direção desse filme provavelmente deve ter tido um trabalho monstruoso para o fazer. Tudo é muito atmosférico. As ruas de Taiwan que foram usadas seguiam um padrão constante: cores vivas, mas nada convincente o suficiente para animar o telespectador. É isso que faz a palheta de cores do filme ser tão sensacional: o ambiente, em grande parte do filme, é todo colorido e cheio de contraste (indicando um clima alegre), mas o diretor consegue transformar isso em uma alegria vazia, uma alegria instantânea, que só piora as coisas. Essa atmosfera sensacional. quase cyberpunk, junto às interpretações impecáveis de todos os atores principais faz o filme ser realmente imersivo. Tão imersivo que, nas cenas de "comédia" onde os personagens se divertem, é impossível gargalhar, pois o espectador sabe que toda aquela diversão aparente esconde um vazio existencial profundo.

    Essa imersividade toda de nada valeria se a trama do filme não conseguisse levar ao público o sentimento do qual a obra trata. Felizmente, esse objetivo é alcançado com sucesso. Rebeldes do Deus Neon não é apenas um drama sobre a solidão, mas é a obra que melhor retrata o sentimento de superficialidade e futilidade de tudo o que se faz para escapar do sofrimento no dia-a-dia e da dor que é a deterioração do prazer em função da mecanização da vida cotidiana. Todas as cenas se encaixam ou na definição de tédio, ou seja, o sentimento de que não se está fazendo literalmente nada ou nada que te complete realmente, ou na de sofrimento, que é a dor física ou emocional a qual o ser humano está exposto. Todas as ações do filme, excluindo as que a vida urbana obriga a realizar no "controle automático", são tentativas desesperadas de preencher o sentimento de vazio, solidão e absurdo que habita o ser humano, ao ponto de que, depois de ver esse filme, caso tenha entendido, é improvável que você veja a sua própria vida do mesmo jeito. A experiência que se tem depois de assistir o filme é uma auto-avaliação crítica constante, que deixa qualquer um deprimido.

    Todas as relações entre personagens têm o intuito de demonstrar a liquidez com a qual a pós-modernidade lida. spoiler: Ah-Tse e Ah-Kuei estão envolvidos romanticamente, mas nenhum deles realmente se importa com isso, tendo Ah-Tse preferido fazer qualquer coisa do que estar com a "namorada" e Ah-Kuei tendo quase traído seu "namorado" literalmente na frente dele. Ah-Tse e Ah-Ping são irmãos, mas o primeiro não sente remorso em deixá-lo de lado para salvar a própria pele quando estão sendo perseguidos por funcionários de um fliperama do qual furtaram algumas peças. Hsiao Kang desrespeita constantemente o seu pai (e chega a ser comparado a Norcha, um famoso Deus da mitologia chinesa que, analogamente, tinha uma péssima relação com seu progenitor), chegando a se desmatricular da escola, gastar o reembolso e fugir de casa. Seu pai também não é o ápice da estabilidade em termos de relações sociais, pois ele toma posturas abusivas e tirânicas contra a sua esposa, a quem ele não dá a mínima atenção.


    spoiler: Os personagens também demonstram um comportamento, no mínimo, questionável. Após largar a escola, Hsiao Kang foge de casa no que parece ser uma decisão permanente, da onde pode-se inferir que o garoto se sentia extremamente pressionado pela escola. E não é apenas uma ação que acontece - durante todo o filme, o garoto toma decisões impulsivas, como matar uma barata sem motivo e estraçalhar uma moto, e tem uma instabilidade muito presente, como na cena em que ele celebra a reação de Ah-Tse ao ver sua moto destruída e, alguns momentos depois, está triste novamente, o que fortalece a tese de que o garoto sofre de ansiedade. Ele também tem plantado, desde o começo, um tipo de comportamento esquizotípico e excêntrico, caracterizado por movimentos corporais aparentemente aleatórios. Ah-Tse claramente age de forma desproporcionalmente agressiva a qualquer situação desagradável, como quando pressiona psicologicamente Ah-Kuei por ela ter marcado um encontro com outro rapaz e quando ele quebra o retrovisor do táxi do pai de Hsiao, simplesmente por ter buzinado. Esses comportamentos representam, na minha interpretação, a falta de saúde mental que a futilidade consumista provoca nos jovens. Um detalhe é que esse filme é de 92, ou seja, é praticamente visionário, pois essa é a situação lastimável em que o mundo se encontra atualmente, principalmente com o advento da internet, que banalizou as relações e interações sociais.


    spoiler: Uma das passagens mais importantes do filme, ao meu ver, é o desfecho para Ah-Tse e Ah-Kuei. Eles se beijam de forma a espantar a dor pelo prazer, mas, logo em seguida, ela diz que quer sair de lá, e o diálogo confirma que eles não têm destino. Não há lugar ao qual pertençam, eles estão sós em meio a tanta gente. Na minha humilde opinião, isso foi extremamente genial da parte do roteiro escrito por Tsai Ming-liang, que reaproveitou uma frase repetida várias vezes no filme e disse, na cena final, tudo que ela sempre quis dizer. Isso é admirável, a sinceridade do roteiro é de aplaudir.


    Entende-se, por "Deus Neon", a "entidade" à qual as áreas urbanas infectadas pelo capitalismo se adequam. A parte "Deus" se refere, primordialmente, à onipotência característica deste ser, e "Neon" ao gás brilhante que é usado nos letreiros e propagandas que se vê pela cidade. Portanto, é lógico deduzir que o filme se trata de uma crítica ao capitalismo. Não só ao capitalismo, como às suas consequências, principalmente psicológicas. Por ser um filme taiwanês, deve-se creditar o autor pela ideia ousada, pois, em 92, o sentimento nacionalista de Taiwan e sua identidade capitalista já era intenso, e o filme poderia passar por uma forte reprovação.

    Vale também elogiar a fotografia e edição (Liao Pen-jung e Wang Chi-yang) e a trilha sonora do filme (Huang Shu-jun). Apenas um corte de câmera foi realmente desagradável e outros dois não foram tão bons, todo o resto foi perfeito. Já a música é extremamente marcante e ambienta muito bem o filme, dando uma certa tensão, que é plenamente satisfeita pelo drama psicológico que a obra proporciona.

    A conclusão é que esse filme é um prato cheio para quem gosta de drama psicológico, com requintes de sofrimento, angústia e crítica social, complementados com um visual incrível e referências difíceis. A minha recomendação é direcionada principalmente para quem é fã de Requiem For A Dream (2000), de Darren Aronofsky e, no geral, para todo mundo que vive a dor da contemporaneidade.

    Nota final: 10/10.
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