Poucas vezes um filme consegue me surpreender favoravelmente como aconteceu com este: O Amante da Rainha realmente superou as minhas expectativas. Infelizmente, o que acontece com mais frequência é o contrário. Este filme dinamarquês recebeu ótimas críticas e muitos prêmios internacionais (incluindo 2 prêmios no Festival de Berlim 2012), mas isto muitas vezes não garante muita coisa.
Não é possível saber o quanto há de verdade nos detalhes mostrados no filme, que com certeza não foi buscar inspiração nos livros tradicionais de História. Isto numa obra de arte é de pouca importância, quando se pretende acima de tudo contar uma boa história, e dar o seu recado, o que o diretor consegue com precisão. O roteiro é seu grande trunfo, principalmente amargando a árdua tarefa de retratar fatos históricos, o que muitas vezes faz os filmes de época soarem frios e tediosos. Mas O Amante da Rainha tem uma fluência narrativa e uma perspectiva do desenrolar da história num crescendo dramático que faz lembras as belas adaptações de Ligações Perigosas (1988), de Stephen Frears e O Enigma do Colar (2001).
Quando o filme se inicia, vemos o rei Christian no papel, literalmente, de bobo da Corte dinamarquesa. Seu comportamento infantil e seus excessos destemperados são tolerados, contanto que ele permaneça no seu papel apenas representativo, limitando-se a assinar o que lhe mandam. Com a chegada do Dr. Struensee à Corte, e o início de sua influência e amizade com o jovem rei, este passa a querer exercer o seu pleno direito de governar a nação, propondo e implementando mudanças que desagradam e desestabilizam o status quo da elite aristocrática. Paralelamente, a praticamente rejeitada rainha Caroline, vinda da Inglaterra, começa a receber a atenção do médico alemão, cujas ideias iluministas influenciadas por Voltaire, Rousseau e Diderot, ganham sua simpatia romântica e idealista. O triângulo está formado. A partir daí, o reino da Dinamarca será palco de um complô shakesperiano, movido pelas mais baixas paixões humanas: a traição, o ego, a soberba, a sede de poder, a inveja, a maledicência e a xenofobia (não esqueçam que a rainha era inglesa e o médico do rei era alemão).
É praticamente uma vantagem para o público brasileiro desconhecer os fatos históricos retratados no filme, o que faz a história se desenrolar com a devida surpresa do inesperado, quase impossível em fatos históricos mais conhecidos, como por exemplo, a Revolução Francesa ou o Nazismo alemão, temas de tantos e inúmeros filmes. Por outro lado, apesar de se basear em fatos reais, o roteiro evita o excesso de didatismo que poderia marcar os diálogos. A versão brasileira, inclusive, exagera em traduzir certas falas para um linguajar excessivamente coloquial e moderno. Outro problema foi a escolha do título que faz pensar num filme centrado exclusivamente em uma história de amor proibida, ao estilo de um romance de D. H. Lawrence, o que não é o caso. O filme tem um tema mais social e político que o seu título traduzido pode supor.
O retrato de época é exemplar, e sem apelar para excessos visuais como acontece com algumas superproduções do gênero. Mas o ponto positivo do filme é que o diretor Arcel se revela realmente um artesão do cinema. Embora o filme seja bastante convencional na sua linha narrativa, Arcel demonstra pleno domínio das ferramentas necessárias para contar bem uma história através de um filme. Há várias cenas excelentes, mas eu destacaria aquela em que os prisioneiros Johann e Brandt são levados na carruagem, acompanhados pelo padre que os visitara na prisão. Somente uma troca de olhares nos revela que Johann se deu conta do que está por acontecer, seu olhar firme e inquisidor faz o padre baixar os olhos, consciente e arrependido da traição cometida, nada digna para um cristão, mesmo se cometida contra inocentes declaradamente ateus.
A força dramática do filme não funcionaria somente com a competente direção de Arcel e um excelente roteiro, se não contasse com atores tão bons e convincentes. Todos estão bem, mas o destaque, é claro, vai para o trio principal, especialmente para Mikkel Folsgaard (o insano rei Christian) e Mads Mikkelsen (Dr. Struensee), este conhecido do público brasileiro como o vilão Le Chiffre do filme de 007, Casino Royale (2006).
O Amante da Rainha é com certeza um dos melhores filmes lançados este ano, e sem dúvida dos últimos anos também.