Entre os lançamentos nacionais recentes, poucos filmes conseguem equilibrar com tanta sensibilidade memória afetiva e energia juvenil quanto O Último Episódio, dirigido por Maurilio Martins. A produção mergulha na atmosfera dos anos 90 e nos leva de volta a um tempo em que pequenos gestos da infância e adolescência pareciam carregar o peso de grandes aventuras. A trama acompanha Erik, um garoto de 13 anos que, para impressionar Sheila — a nova colega de escola e sua paixão platônica —, inventa ter em casa a fita com o lendário episódio final do desenho Caverna do Dragão. A mentira, claro, vira o estopim para que ele e seus melhores amigos embarquem numa jornada que mistura amizade, descobertas e a urgência típica da adolescência.
O grande trunfo do filme é conseguir ir além do “truque fácil” da nostalgia. Ela está presente o tempo todo, é inegável: nas músicas que embalam a narrativa, nos figurinos coloridos e marcados pela estética da época, nos objetos de cena que vão desde os cadernos cheios de adesivos até os brinquedos e aparelhos antigos, além do próprio mito em torno do desfecho de Caverna do Dragão. Mas Martins e o roteirista Thiago Macêdo Correia não usam esse elemento apenas como isca emocional. O passado é resgatado para criar uma sensação de pertencimento, de reconexão com memórias que todos carregam, ao mesmo tempo em que serve de pano de fundo para discutir sentimentos universais: a amizade, o primeiro amor, a perda e até a paternidade.
Essa escolha narrativa é inteligente porque impede que o filme se reduza a um “festival de referências”. Embora o título gire em torno da promessa do “último episódio”, a real força da trama está nos vínculos entre Erik e seus amigos. São eles que dão vida ao filme, sustentam os conflitos e constroem o carisma que prende o público. O tal episódio perdido de Caverna do Dragão é, na prática, um pretexto para que a história avance, e o longa não tem vergonha de assumir isso. O “último episódio” é simbólico: representa o fim de uma fase, a necessidade de crescer, mas também a tentativa de preservar algo que parece eterno — a infância.
A ambientação em Laguna, bairro da periferia de Contagem (MG), é outro ponto alto. Longe de ser apenas cenário, o espaço é retratado como um organismo vivo, pulsante, onde cada rua, cada comércio e cada vizinho contribuem para a construção desse universo. A fotografia de Leonardo Feliciano valoriza essa dimensão com planos simples, mas que respiram autenticidade, destacando tanto a vida nas ruas quanto a intimidade das casas. A cidade não é apenas pano de fundo: é também personagem, reforçando a ideia de comunidade e pertencimento.
A trilha sonora cumpre papel essencial. Entre canções que marcaram os anos 90 e composições originais que capturam a essência da época, a música funciona como gatilho afetivo. O espectador sente como se voltasse à rotina de ligar a TV depois do almoço para assistir a desenhos, ou à tensão ingênua de convidar alguém para sair pela primeira vez. É por meio da música que a narrativa alcança uma camada extra de emoção, tornando a experiência ainda mais imersiva.
O elenco jovem é outro grande acerto. Matheus Sampaio, Daniel Victor e Tatiana Costa formam um trio que irradia química em cena. A amizade entre os personagens é tão convincente que desperta no público a vontade de fazer parte daquele grupo. Não é apenas carisma gratuito: os atores entregam uma dinâmica que oscila entre a leveza da comédia e momentos mais emocionais, revelando a complexidade da transição entre infância e adolescência. O elenco de apoio também contribui, seja no retrato afetuoso de familiares ou no humor de figuras secundárias como professores e comerciantes.
É verdade que o roteiro não acerta sempre. Ao tentar costurar diversas subtramas — como questões familiares, dramas individuais e pequenas aventuras paralelas —, em alguns momentos o filme se perde. Há situações que surgem sem grande preparação e que não encontram conclusão satisfatória, o que gera uma sensação de dispersão narrativa. Porém, ainda que falhe na organização de algumas linhas secundárias, a obra nunca perde de vista sua essência: um retrato caloroso e afetivo da adolescência nos anos 90.
O mais curioso é que, apesar desses tropeços, o saldo final é amplamente positivo. O Último Episódio não é apenas uma viagem ao passado, mas uma experiência que se mantém viva pela maneira como retrata sentimentos universais. A nostalgia aqui não é um fim em si mesmo, mas um veículo para falar de crescimento, amizade e memória. Há também uma camada delicada sobre a ausência paterna e o luto, que aparece de forma sutil, mas que amplia o impacto da narrativa e dá peso emocional ao que poderia ser apenas uma comédia juvenil.
No fim, o longa se revela uma das mais agradáveis surpresas do cinema nacional em 2025. Ele conquista pela simplicidade, pela sinceridade e pelo frescor de sua proposta. É o tipo de filme que nos faz sair da sala com a sensação de ter reencontrado velhos amigos, de ter voltado a um tempo em que cada pequena experiência tinha o tamanho do mundo. Mesmo com falhas estruturais, o que fica é a energia contagiante e a emoção de revisitar um período da vida que, para muitos, nunca deixará de ser o verdadeiro “último episódio” da infância.