Jennifer Lawrence e Robert Pattinson se jogam numa experiência sensorial sobre saúde mental, mas não é um filme fácil de engolir
por Katiúscia ViannaEu não procurei, mas eu aposto que existe uma fanfic que une Katniss Everdeen e Edward Cullen em algum lugar escondido da internet. A criatividade de um fã não tem limites. Mas se você está esperando uma história fofa na parceria entre Jennifer Lawrence e Robert Pattinson nos cinemas, o título já te aponta que não é para ter nada disso: Morra, Amor.
Qual é a história de Morra, Amor?
Outra dica que aponta como não estamos diante de um filme tranquilo? A diretora Lynne Ramsay (Precisamos Falar Sobre Kevin), conhecida por suas obras viscerais, sem medo de tocar em feridas. Ela tenta isso novamente na história de Grace (Jennifer Lawrence), uma jovem escritora que se muda com o marido, Jackson (Robert Pattinson) para uma região rural dos Estados Unidos. Logo, ela dá à luz ao filho do casal e, a partir disso, começa a entrar numa espiral violenta de autodestruição.
Morra, Amor claramente se trata de um retrato visual sobre a depressão pós-parto, algo que ainda é pouco debatido em nossa sociedade. Ou, pelo menos, tratado com a seriedade que necessita. No início, o caos começa com pequenas coisas: o desprezo por não ter feito um bolo de uma festa para o filho, por exemplo, pode parecer para muitos apenas um comentário qualquer. Mas logo vemos a confusão mental de Grace se expressar em atos extremamente violentos.
Seja pela vontade obsessiva de fazer sexo, pela passividade de Jackson que não faz nada enquanto vê a esposa perdendo sua razão dia após dia, pelo surgimento de um motoqueiro que passa pela região que teoricamente só Grace consegue ver... Essas situações são metáforas sobre a paranóia de não ser mais desejada pelo marido, o desprezo masculino, a busca por uma liberdade proibida ou a solidão da maternidade. E tudo isso é interessante de acompanhar… Por um tempo.
Lynne Ramsay promove uma experiência difícil de engolir - de forma proposital!
Com quase duas horas de duração, os atos de Grace vão se tornando cada vez mais perigosos e absurdos, sem quase nenhum tipo de apoio daqueles ao seu redor. Obviamente, isso é uma expressão mais literal de como acontece na vida real, mas a partir de certo ponto narrativo, isso se torna repetitivo. Parece que chegou a hora de jogar um game “O que Grace vai aprontar agora?”, quando vemos cada situação começar a se desenrolar.
E por mais que a direção de Ramsay seja potente, como sempre, vai tornando a experiência mais difícil de aguentar de forma crescente. A montagem frenética de Toni Froschhammer, junto ao roteiro da cineasta com Enda Walsh e Alice Birch (inspirado num livro de Ariana Harwicz) ajudam a confundir o espectador, tornando Grace uma narradora não confiável e também brincando com a cronologia das situações. Tudo isso é unido a uma edição de som visceral: desde o cachorro latindo incessantemente (o que eu compreendo, pois tenho dois em casa, mas o cão do filme é surrealmente chato) até os barulhos de vidros quebrando (que me deram dois sustos no cinema).
Obviamente, o objetivo de Morra, Amor é incomodar. É transcrever a experiência de confusão, dor, solidão e alienação da protagonista. E isso é válido (principalmente se render mais discussões sobre o tópico), mas o papel da crítica também é analisar como foi a experiência de assistir a um filme e fico triste em dizer que eu estava contando os minutos para sair do cinema. Talvez porque me afetou profundamente? Talvez porque me entediou? Sinceramente, ainda estou tentando descobrir.
Jennifer Lawrence brilha em Morra, Amor
Aqui temos um prato cheio para Jennifer Lawrence expressar, mais uma vez, todo o seu talento. Ela tem cenas delicadas, cenas brutais, cenas vulneráveis - tanto fisicamente, como mentalmente. E a vencedora do Oscar por O Lado Bom da Vida faz um belo banquete dessa mistura de sensações, carregando todos os lados contraditórios de Grace. O filme funciona, em sua maior parte, pela performance de JLaw - que se entrega de corpo e alma para uma personagem que não é necessariamente carismática, mas ainda desperta o carinho do público, mesmo a cada erro.
Por sua vez, Robert Pattinson também faz um bom trabalho como Jackson, cuja passividade é tamanha que dá vontade de entrar na tela e balançá-los pelos ombros, gritando “ACORDA, HOMEM!” Mas assim como sua companheira de cena, seu personagem também é contraditório, pois Jackson é consumido pelo desprezo cultural da masculinidade, ao mesmo tempo que realmente constrói um relacionamento de carinho com Grace.
Quem também ganha destaque no filme é Sissy Spacek, que surge como Pam, a mãe de Jackson. É também conhecida como a única pessoa da cidade que realmente enxerga a luta de Grace - até porque ela mesma está passando por um delicado momento de saúde mental e emocional com a perda do marido. Ela possui a simplicidade do povo do campo, mas também carrega a sabedoria de uma mulher experiente que percebe como aquilo não é normal.
A mensagem de Morra, Amor é eficiente?
Quando eu estava saindo da sala de cinema, após a sessão de Morra, Amor, só conseguia ouvir uma jovem comentando atrás de mim: “Nossa, essa mulher é maluca!”. Agora, eu não sou psicóloga, mas posso questionar se o filme consegue passar a mensagem que deseja. Obviamente, esse não é um longa fácil de assimilar. Ele não segue a fórmula padrão do cinema, pois acredito estar mais preocupado em expressar do que explicar.
Conseguimos sentir o que Grace sente, desde a solidão, o vazio, até a pressão em si mesma. Mas também não entendemos o que fazer nessa situação. Como chegamos ali, para onde vamos? São passos incertos, certamente da mesma forma que vivemos todos os dias, mas um mínimo de orientação e clareza poderia tornar o filme mais eficiente.
Porém, tem uma cena do filme que gostaria de ressaltar: está tendo uma festa, Grace já fez “a loucura do dia”, mas é Jackson quem começa a ter algo que parece um ataque cardíaco. Grace chega, faz ele respirar fundo e repete “ele está bem, ele está bem”, como se tivesse acalmando o chilique de uma criança. Essa cena é exatamente o que eu queria de Morra, Amor. Uma demonstração absurda (porém de objetivo claro) de como devemos tratar a saúde mental com mais seriedade, pois é o mesmo que fazemos quando quebramos uma perna, por exemplo. No fim das contas, acabei ganhando mais sentimento do que gostaria. Mas acho que isso não deve ser algo ruim, né? O mundo precisa disso.
*O AdoroCinema assistiu ao filme no Festival do Rio 2025.