Críticas AdoroCinema
4,0
Muito bom
Fourteen

A melhor amiga protagonista

por Sarah Lyra

A depressão é uma doença de tantas sutilezas, contenções e dores, que ao tentar reproduzir suas nuances em uma produção cinematográfica, os realizadores muitas vezes acabam criando ou reforçando estereótipos daquilo que é invisível. Como fazer, ao longo de duas horas, um recorte realista de sintomas tão traiçoeiros, e simultaneamente inserir uma problemática que movimente a trama? Posta essa pergunta, não são raros os casos em que, na tentativa de respondê-la, os roteiros recorrem a momentos catárticos, reviravoltas, redenções e até resoluções para uma doença cruel, sem cura e que trabalha de forma tão sorrateira, que em alguns casos mal é diagnosticada. Em Fourteen, o diretor Dan Sallitt felizmente quebra esses paradigmas e conduz com autoridade uma obra respeitosa e meticulosa em sua abordagem, principalmente no que diz respeito à construção das dificuldades de Jo (Norma Zea Kuhling), uma jovem que luta contra o transtorno desde a adolescência, e Mara (Tallie Medel), a amiga de infância que não hesita em socorrê-la quando necessário.

Sallitt faz uma escolha ambiciosa — e que abre margem para críticas — ao decidir retratar a doença a partir dos olhos de Mara, cuja função na trama é, em grande parte, ser o ponto de apoio de Jo. Em casos assim, há um risco ainda maior de negligenciar os dramas da pessoa que precisa, de fato, viver com os sintomas. Por outro lado, é recompensador ver como Sallitt demonstra controle sobre a narrativa ao incluir uma trajetória própria para Mara sem desrespeitar a de Jo. No longa, é perfeitamente possível, enquanto espectador, se identificar com os dilemas das duas mulheres, sem que uma se sobreponha à outra. De um lado, há uma amiga dedicada, disposta a abrir mão de suas próprias ambições e necessidades para ajudar outra pessoa, em uma relação que em diversos momentos gera em nós alertas de codependência. Do outro, uma jovem talentosa, atraente, divertida e inteligente, que não consegue manter nenhum outro relacionamento em sua vida, além de Mara, por conta das constantes recaídas, descaso com as pessoas à sua volta — o que inclui familiares, namorados e amigos — e ausência de uma perspectiva de mudança.

O filme não tem medo de explorar a ambivalência da situação para as duas partes. Enquanto Mara vive em estado constante de exaustão, por sempre ter que priorizar e gerenciar as necessidades de uma outra pessoa, ela também se sente culpada quando não está totalmente disponível para a amiga, e não consegue evitar a sensação de que, por mais triste que esteja, a situação de Jo é sempre muito pior. Jo, por sua vez, é inconsequente, egoísta e oportunista em incontáveis situações, principalmente quando parece ciente de que pode usufruir de sua condição, diante da certeza de que Mara estará por perto para salvá-la — o que diz mais sobre a personalidade de Jo do que sobre a doença, que fique claro. É difícil para o espectador — e para Mara — não sentir um certo ressentimento em relação à Jo, assim como é difícil não sentir empatia pelo fardo insuportável que é obrigada a carregar. Isso fica especialmente claro na cena em que Jo chega na casa de Mara durante uma madrugada, causa uma série de transtornos na vida da amiga, e em seguida chora copiosamente ao tentar explicar sua dor e a indiferença padrão no comportamento de todos os médicos pelos quais passou, que se apressam em decifrá-la em poucos segundos e demonstram apatia ao prescrever a abundância de remédios com os quais ela está familiarizada desde os 14 anos.

É curioso observar também como Sallitt trabalha esse desgaste das duas sem necessariamente desmerecer os momentos felizes entre elas, o que apenas reforça a ambivalência vivida pelas mulheres e o caráter quase abusivo da relação. Para evidenciar o ritmo mais lento da trama, o diretor aposta no uso da câmera parada e planos abertos em que um personagem leva vários segundos para se deslocar de uma extremidade à outra da tela. Esse tom empregado por Sallitt também é fundamental no crescimento da atuação de Kuhling e, principalmente, de Medel. As duas atrizes não apenas parecem totalmente à vontade na pele de Mara e Jo, como carregam grande parte da densidade gerada à medida que o drama avança. E assim como os primeiros atos nos conduzem por um processo conflitante, o desfecho de Fourteen é igualmente agridoce, provocando sentimentos contraditórios de alívio e angústia, e de estarmos diante de uma situação chocante, mas ao mesmo tempo previsível.