Críticas AdoroCinema
1,5
Ruim
Jorginho Guinle - $ó Se Vive uma Vez

Querido dinheiro

por Bruno Carmelo

Para quem se indagar sobre que fim teria levado o famoso playboy Jorge Eduardo Guinle, saiba que ele foi ao céu a bordo de um carro conversível, com motorista, e desfilou sorrindo por entre as nuvens. O início deste filme imagina a chegada do protagonista ao paraíso, numa leitura lúdica, mas também sintomática: o filme acredita que Jorginho realmente mereça todas estas honrarias. Este foi um homem orgulhoso de nunca ter trabalhado, de dormir com várias mulheres cobiçadas, de passar suas noites entre festas e hotéis luxuosos como o Copacabana Palace.

Se este modo de vida constitui um objetivo a alcançar ou uma existência alienada, cabe ao espectador decidir. Para o diretor Otávio Escobar e os criadores deste projeto, a decisão pende claramente a favor dos excessos de Jorginho. Por isso, uma parte considerável do filme se vangloria dos episódios mais ostensivos da trajetória do protagonista: a namorada conquistada com um champanhe caro, as noites com Rita Hayworth e Marilyn Monroe, a participação num filme em Hollywood, os encontros com presidentes, as comidas chiques e os objetos preciosos dentro do casarão onde vive.

Estes elementos são apresentados com o deslumbramento de um conto de fadas: uma trilha sonora amistosa embala cada imagem, os depoimentos ressaltam a grandiosidade de cada episódio, as cores são vivas e lúdicas. Na ausência de gravações, o documentário cede espaço à recriação fictícia, quando Saulo Segreto interpreta Jorginho Guinle. Diante da falta de um vídeo do sexo com Marilyn Monroe, por exemplo, o diretor recria a cena com seu ator, vestido na cama, e uma bela atriz com os seios de fora, pulando sobre o bon vivant. A ideia é perpetuar o sonho, favorecer a ilusão do macho conquistador. Pouco importa o que realmente aconteceu na vida do biografado: para os criadores de $ó Se Vive uma Vez (isso mesmo, com o cifrão), convém reforçar a utopia de uma vida sem dificuldades.

Para uma vida sem dificuldades, temos um filme sem conflitos. A maior parte do docudrama se contenta com a descrição superlativa, e um tanto repetitiva, de Jorginho. As adversidades, quando finalmente aparecem, soam um tanto absurdas para qualquer espectador que não possua milhões em sua conta bancária: ele se encontra em dificuldade financeira, mas não quer vender um apartamento que lhe traz boas lembranças; ele gostaria de viajar para países estrangeiros, mas não consegue mais. “Isso matou ele”, lembra, com pesar, um membro da família. “Eu torrei apenas a parte que me coube”, se desculpa o narrador, por fazer parte de uma família de milionários igualmente consumistas. Estas falas, entoadas por Segreto, incomodam: é contestável colocar falas na boca de um homem falecido, em primeira pessoa, como se fossem frases reais.

A confusão entre ficção e documentário, ou entre imaginação e História, prejudica bastante o filme. Escobar pretende traçar um panorama da evolução histórica do Rio, mas abandona seu subtexto assim que uma lenda suculenta de Jorginho com mulheres famosas lhe parece mais interessante. A sobreposição de imagens arquivos e de reconstituição desfavorece esta última, um tanto precária em termos de produção, direção de arte e atuações. As mulheres com suas perucas, as babás com sotaques estrangeiros soam ainda mais falsas, mais teatrais, por estarem ao lado de pessoas verídicas. Do mesmo modo, a condescendência do filme com o protagonista se torna anacrônica em 2019, como se o discurso sentisse falta daqueles tempos em que maridos podiam trair suas esposas sem tantas demandas de igualdade de gênero.

Jorginho Guinle - $ó Se Vive uma Vez pretende ser um filme leve, e neste sentido atinge seu objetivo. Daniel Boaventura, por exemplo, faz uma participação de luxo cantando num casarão, aparentemente sem ser dirigido quanto aos seus objetivos na cena ou quanto ao olhar da câmera. Ele seria um elemento luxuoso, um adorno suplementar. Em outro momento, Jorginho é envelhecido por uma maquiagem muito fraca, enquanto os braços e pernas nuas revelam o corpo de um ator muito mais jovem. O projeto nunca sabe se vende a história real ou a história imaginada, se investiga o homem ou o mito. No fim, acaba por não satisfazer nenhuma das duas versões.