Críticas AdoroCinema
2,5
Regular
Minas do Futebol

Contra o privilégio masculino

por Bruno Carmelo

O documentário dirigido por Yugo Hattori parte de uma constatação inicial a respeito das dificuldades encontradas pelo futebol masculino no Brasil. As garotas têm poucas oportunidades de treinar, enfrentam o descaso ou preconceito dos times masculinos e das próprias famílias, são encorajadas a abandonar o esporte e, muitas vezes, se veem obrigadas a competir em equipes masculinas para provar o seu valor. O cineasta não busca casos de sucesso e superação, e sim histórias contemporâneas de adolescentes que buscam se afirmar no esporte. Em outras palavras, o discurso não se foca na certeza do sucesso, mas na importância da persistência.

Embora o projeto se atenha demais à descrição do problema, é importante que o contexto seja claro e esmiuçado, em especial por abordar uma temática de invisibilidade dentro do esporte. Minas do Futebol percebe com clareza que a meritocracia passa longe deste cenário, afinal, as meninas possuem talento de sobra. O que atrapalha do caminho das jogadoras é enfrentar uma barreira institucional que visa proteger o futebol como um domínio exclusivamente masculino. Os homens se sentem “perdendo espaço” ao permitirem às garotas terem algo que sempre tiveram.

A discussão sobre gênero e estrutura social insere as dificuldades num panorama político preciso: a maioria das esportistas provém de meios desfavorecidos, algo retratado de modo muito orgânico pelas visitas às casas. Uma delas, de origem privilegiada e com passagens pelas divisões de base do Barcelona e PSG, serve de contraponto às demais e traz novas camadas ao mosaico de meninas. Embora a maior parte dos técnicos da equipe feminina do São Paulo seja formada por homens, o documentário tem a precaução de escutar também as mulheres treinadoras; embora muitos os homens adultos sejam os primeiros a se posicionar sobre a paixão “atípica” das filhas, as mães também são escutadas com atenção. Existe evidente preocupação de equilíbrio e pluralidade de vozes.

Ao mesmo tempo, a construção imagética é muito feliz nos enquadramentos e na iluminação. Os planos em scope acomodam a imensidão dos gramados, o ritmo dos treinos, assim como a interação natural entre as amigas conversando sem pudores com o diretor, que ainda se preocupa em enxergar o esporte como veículo de autonomia. Infelizmente, a edição de som encontra dificuldade em equalizar diálogos e ruídos - a ideia de dar o gravador às meninas é lúdica, porém pouco funcional -, e a edição imagética deixa a impressão de esticar os depoimentos até se tornarem redundantes, talvez para atingir a duração de 70 minutos necessária ao longa-metragem. Contando com uma variedade modesta de materiais captados e poucos materiais de arquivo, o resulto transparece a dificuldade de ocupar a sua duração sem se repetir.

Seria importante acompanhar as meninas ao longo do campeonato, adentrar mais casas e mais vidas cotidianas. Minas do Futebol faz menção a uma importante qualificação na qual as protagonistas derrubaram equipes masculinas do Corinthians e outras equipes grandes, porém não assistimos à vitória. Quando a equipe Sub-17 do São Paulo chega à final, descobrimos que estavam invictas por meio da fala de uma das mães, porém faltava acompanhar essas vitórias com os nossos próprios olhos. Nos minutos finais, o filme se lembra de investigar dados e porcentagens que valorizam a participação feminina no esporte, e que mereceriam aprofundamento ao longo da narrativa. Mesmo assim, o discurso se faz claro sem ser excessivamente didático, e torna-se mais contundente ao valorizar o ponto de vista das próprias jogadoras.