Críticas AdoroCinema
3,0
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Made in Italy

Figura e fundo

por Renato Furtado

Roma estende-se a perder de vista, com seus monumentos e praças e estátuas e histórias e passados vivos preenchendo o horizonte que se apresenta diante dos olhos de Riko (Stefano Accorsi), cujo tamanho é ainda mais comprimido em comparação à vastidão da Cidade Eterna. É uma manhã quente e suas costas doem após uma noitada de diversões e passeios pueris com seus dois melhores amigos pelas ruas da capital italiana, mas por um momento o operário da fábrica de salames Veroni respira tranquilo, esquecendo por um momento que jamais poderá se destacar por completo do estado das coisas.

Adaptando as canções de seu disco homônimo para as telonas na comédia dramática Made in Italy, o cantor e compositor Luciano Ligabue realiza uma obra que só poderia ter sido feita mesmo na "Terra da Bota", assim como em nossos conturbados tempos. Seja por causa de suas influências estéticas e narrativas, seja por causa das temáticas políticas e sociais que aborda e que inundam a vida dos protagonistas de tempos em tempos, o longa faz questão de situar a si mesmo como um produto italiano, talvez tanto quanto as carnes embutidas preparadas por Riko e seus companheiros de trabalho.

Embalado por uma trilha sonora sempre presente, que evidencia a expressão artística principal do diretor, o personagem principal desta dramédia é um homem que claramente não se sente confortável em desempenhar os papéis que preciso performar nestes anos agitados. Se antes sonhava em ser uma estrela do rock, hoje só pode ser o funcionário mal pago de uma empresa que cada vez mais reduz seu quadro de "colaboradores" — a taxa de desemprego na Itália cresceu a partir de 2015, quando uma prejudicial reforma trabalhista foi aprovada. Além disso, e talvez acima de tudo, seu casamento está prestes a acabar.

Aos desentendimentos com a esposa Sara (Kasia Smutniak) e aos perigos profissionais que enfrenta, outros contratempos como aqueles acarretados pelos vícios em jogo e drogas de seu amigo Carnevale (Fausto Maria Sciarappa) e o corrupto contexto da política nacional somam-se à espiral agridoce de eventos que constitui a vida de Riko. São episódios e vinhetas pincelados por Ligabue de forma a apresentar uma costura das cenas da vida de seu protagonista em um só quadro, uma condução que evita a linearidade causal e prefere o acaso e o fluxo dos acontecimentos de uma vida em si.

Apesar de recorrer ocasionalmente às saídas fáceis e costumeiras do melodrama, especialmente no terço final da trama, o realizador nunca solapa sua sinceridade ou a autenticidade de seu relato — segundo o próprio, aliás, a vida de Riko poderia ter sido a sua se o diretor não tivesse conseguido seguir carreira na música, há 30 anos. Por isso, no momento em que eficientemente equipara harmônicamente as trajetórias de seus personagens com as ocorrências da contemporaneidade, as figuras e o fundo, Ligabue constrói em Made in Italy um estudo, ainda que tangencial, da fragilidade das identidades modernas.

A crise de refugiados que cada vez mais recofingura o tecido social das nações europeias — e alimenta violentos sentimentos xenófobos e nacionalistas —; a precarização das condições de trabalho, que gerou o movimento dos coletes amarelos na França; a nociva propensão italiana a alterar a organização institucional de seus governos frequentemente; e, por fim, os efeitos da virtualidade sobre as relações interpessoais. Estas são apenas algumas das causas da angústia existencial — evidentemente masculina e caucasiana, neste caso —, tão pública quanto privada, que opera como núcleo desta comédia dramática.

Made in Italy não é, no fim das contas, o mais sutil, inovador ou profundo dos longas, mas é competente, mesmo a despeito de seus eventuais exageros dramáticos. Obviamente inserido na tradição/escola narrativa das dramédias italianas contemporâneas, como as de Nanni Moretti e Paolo Sorrentino, o filme acerta ao desviar do didatismo em suas sequências mais trágicas e ainda encanta o olhar quando estiliza sua concepção visual, baseando-se em atraentes câmeras lentas expressivas e composições pouco naturalistas — a cena do casamento e da ponte são exemplos destas qualidades.

Guardando um potente monólogo para seu encerramento, que extrai o melhor de Accorsi e enuncia um apelo à comunidade, à união e à aceitação da alteridade, Made in Italy prova ser uma grata surpresa. Manejando emoções com o toque da ficção mas sem distanciar-se de uma realidade dura, complexa e crível, Ligabue demonstra ser o protagonista em si desta obra cativante, por mais que irregular; ao conduzir seu filme como conduziria, possivelmente, uma orquestra para um de seus álbuns, o maestro-diretor triunfa por meio da honestidade da exposição de suas ideias e sentimentos em formato fílmico.