Críticas AdoroCinema
3,0
Legal
As Filhas do Fogo

Erotismo com autoconhecimento

por Barbara Demerov

A intenção da diretora argentina Albertina Carri não parece ser a de contar uma história simples, tampouco que se encaixe no que mais é convencional para o cinema. Em Filhas do Fogo, Carri nos aproxima lentamente de cada mulher apresentada e vai desnudando sua trama no decorrer da viagem que as personagens escolhem fazer. Seja em busca de prazer, novos modos de ver a vida e relações interpessoais ou simplesmente autoconhecimento, tais mulheres permeiam a história com muito erotismo e a ausência de uma ordem maior, o que torna tudo mais intenso e natural.

Filhas do Fogo se torna uma produção muito interessante principalmente por ser um docudrama em essência. Uma das personagens, que acaba de voltar de uma longa viagem, almeja produzir um filme pornográfico, sendo este um dos elementos mais fortes de todo o longa por servir de metalinguagem ao próprio filme em si. Enquanto isso, também vemos escolhas narrativas como a narração, que, por mais breve que seja, pontua o lado ficcional de forma concreta e dá certo dinamismo à trama. Mesclando fragmentos de reflexão com cenas explícitas (mas que vão além das relações sexuais), a história acaba se tornando uma crescente sem medo de impactar.

Mas impactar não é exatamente a tradução do que a cineasta executa em seu filme. A jornada sensorial que Carri nos apresenta não só filmando longas cenas de sexo mas também numa intensa road trip, vai calmamente abrindo espaço para questionamentos que vão muito além do âmbito amoroso e alcançam discussões atuais e pontuais. A presença do homem em Filhas do Fogo é, de longe, a mais nociva dentre todas, sendo um exemplo de como o machismo, a homofobia e a violência policial são pontos de opressão muito demarcados em nossa sociedade, não importa onde estivermos.

O prazer entre as mulheres apresentadas não choca nem impacta pelo modo que é filmado. Pelo contrário: o que mais impacta é a naturalidade com que a câmera examina cada corpo, cada reação e cada satisfação sem o mínimo de pressa. Closes e detalhes misturam-se com poemas narrados em off ou com a câmera simplesmente estática, apenas determinada a captar todos os semblantes de figuras femininas que buscam se soltar de suas amarras internas.

Filhas do Fogo pode não ter uma história linear ou que faça completo sentido, mas consegue atingir o ápice da sensibilidade feminina ao retratar a sororidade e a diversidade (principalmente sexual). Se toda a road trip insere fragmentos de melodrama e dramas familiares, os últimos minutos do longa demarcam bem a provável intenção da diretora: romper padrões e simplesmente retratar a realidade sem que ela soe ousada demais – ou ordinária demais.