Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
A Maldição da Freira

A fé nas sombras

por Barbara Demerov

O título original de A Maldição da Freira é "The Devil's Doorway", que em tradução livre significa "O Portal do Diabo". Apesar de ser mais marcante, o segundo título tem muito mais a ver com a história do filme do que com uma simples freira; mas, tendo em vista o quanto elas fazem sucesso no cinema de terror, chega até a ser compreensível tal mudança para a divulgação no Brasil. A abordagem mais leve do título pode levar o espectador a crer que estará prestes a ver um derivado de A Freira, spin-off de Invocação do Mal. Mas este não é, nem de longe, o foco do longa de estreia da diretora Aislinn Clarke.

A cineasta irlandesa executa um filme inteiramente estilizado nos padrões de documentários antigos, inclusive com um formato quadrado 4:3 que, aliado à uma captação com qualidade aproximada a do VHS, torna a experiência muito imersiva e amedrontadora sem forçar em sustos óbvios ou tensão musical. Nos padrões de A Bruxa de Blair, A Maldição da Freira foge do lugar comum por parecer extremamente real e é na escolha criativa da diretora que o filme ganha sustentação.

A premissa do longa é simples, mas ao mesmo tempo já instiga por ser um found footage que conta com padres como protagonista. Com o pano de fundo na Irlanda, dentro de um dos "asilos de Madalena", os dois homens (John, um padre jovem, o dono da câmera, e Thomas, mais maduro e cético) adentram na sombria missão de entender por que todas as estátuas da instituição estão com seus olhos sangrando. O local, que por si só já é bem mórbido por abrigar apenas mulheres à margem da sociedade (deficientes, mães solteiras e rebeldes), ganha mais sinais de obscuridade na medida em que a dupla encontra vestígios de que o que está acontecendo não é um mero acaso feito por pessoas que querem chamar atenção.

O roteiro de A Maldição da Freira entrega bons elementos que tiram a padronização de filmes do gênero para encontrar um tom próprio, apesar de alguns direcionamentos serem um pouco óbvios. Um desses elementos se revela em Thomas, que é um padre completamente alheio a milagres ou casos mais graves reconhecidos pela Igreja, como os que envolvem exorcismos. Apesar de sua fé inabalável, ele questiona as ações da Igreja Católica e de instituições como as que visita na Irlanda, o que gera uma camada interessante e, sobretudo, condizente com casos que são divulgados pela imprensa ao longo dos anos. A religião de Thomas não muda seu caráter nem serve como desculpa; ele prioriza respostas mais "pé no chão" do que explicações sobrenaturais. John, por sua vez, é aquele que documenta todos os acontecimentos assustadores e é quem vai abrindo os olhos de Thomas perante ao que está acontecendo na instituição.

A investigação em si, que desde o princípio é claramente um caso sobrenatural, serve como gancho para Thomas encontrar seu lado mais religioso e colocá-lo à tona. Sendo assim, é perturbador acompanhar a evolução do caso a cada segredo revelado pelas freiras ou vestígio encontrado pelo próprios padres. A jovem presa no porão da entidade eleva o tom de terror, seja por conta de sua situação misteriosa como também pela inquestionável possessão. Na maior parte do tempo com a câmera na mão, há cenas bem assustadoras envolvendo a exploração do local e a jovem possuída.

Corajosos e ao mesmo tempo fragilizados diante de uma situação inusitada e com muito mais camadas que é possível ver num primeiro momento, os personagens vão se tornando vítimas da própria missão. Uma pena que, claramente com o intuito de chamar a atenção do espectador, o prólogo já entrega a parcela de tensão que é tão bem desenvolvida ao longo do enredo. O mistério acaba sendo prejudicado por conta da intenção de justamente indicar que há bons sustos a caminho, e não havia a menor necessidade disso.

Utilizando clichês mas sem torná-los uma pedra no caminho, A Maldição da Freira acaba por ser um filme idealizado de uma forma já conhecida por quem consome este tipo de história, mas que possui ótimos sustos, uma atmosfera friamente impecável e uma aproximação assustadora com quem o assiste. Diante de diálogos permeados por dúvidas, reflexões e, posteriormente, medo, o longa é uma experiência crua sobre fé, lembranças e a intenção de evocar a luz num lugar (tanto físico quanto mental) que não está propriamente aberto para isso.