Críticas AdoroCinema
1,5
Ruim
Além do Homem

Viagem ao Brasil exótico

por Bruno Carmelo

Além do Homem é um filme difícil de classificar. Julgando pelo cartaz, parece um romance ardente entre Alberto (Sérgio Guizé) e Bethânia (Débora Nascimento). Pelas imagens de mãos atravessando cachoeiras em câmera lentíssima, remeteria a um filme de arte formalista e cerebral. Mas o trailer com imagens jocosas de caipiras debochados e mulheres fogosas se assemelha ao humor popularesco de O Auto da Compadecida e Lisbela e o Prisioneiro. Logo após uma bela francesa tecer comentários sobre a natureza humana ao lado da torre Eiffel, o malandro Tião (Fabrício Boliveira) desfila suas jaquetas coloridas pelo sertão nordestino. Que jornada é essa, afinal?

O diretor Willy Biondani se aventura no Brasil de séculos atrás, descrito por ele mesmo como uma utopia. O roteiro resgata noções fortes do que constituiria a identidade nacional, de acordo com o imaginário popular: a malandragem, a informalidade das relações, o “jeitinho”, a corrupção tacitamente aceitada, o calor tropical que supostamente nos tornaria mais sexuais, mais afáveis, porém menos confiáveis. Este é um Brasil em que todas as mulheres se oferecem ao sexo desde o primeiro contato, e todos os “homens do mundo” (viajantes, conquistadores) aproveitam das paisagens como aproveitam das pessoas.

Não há problema algum em resgatar esses mitos, contanto que se tome o devido distanciamento dos mesmos. Afinal, estamos em 2018, quando a noção de corrupção adquiriu outro papel, assim como o tratamento da mulher, do nordestino, do estrangeiro. A representação da alteridade poderia ser vista como algo crítico, paródico, irônico, anacrônico. Além do Homem investe no caminho mais perigoso: a nostalgia em relação a esta configuração social antiga. A jornada do brasileiro-francês Alberto de volta ao Brasil natal remete a uma neocolonização europeia: sob pretexto de escrever um livro (mote prontamente abandonado pela narrativa), o viajante descobre as delícias desta terra exótica de homens estranhos e mulheres voluptuosas, em plena natureza selvagem, coroada por uma “cachoeira da racha”.

A ambição estética-temporal, em si, é saudável dentro do cinema brasileiro. Biondani não tem medo de acumular símbolos e costurar temporalidades, introduzindo novos personagens no meio da narrativa ou sugerindo a existência de outros que não aparecem na trama. Misturam-se os gêneros, tons, ritmos, num conjunto que não se esforça em ser mais acessível, algo que poderia ser interpretado como positivo. No entanto, é uma pena que tantos caminhos distintos sejam justapostos sem reflexão. O projeto se contenta com a cacofonia ao invés de propor um discurso unificado sobre o que quer que seja: o Brasil, as relações de gênero, o passado colonialista, o cinema (brasileiro ou estrangeiro).

Restam as boas cenas isoladas, atores talentosos em participações soltas (Otávio Augusto é sempre muito agradável de ver, Flávia Garrafa está bastante confortável com o humor), e uma vontade evidente de explorar o realismo fantástico, raro na cinematografia nacional. Com uma visão de mundo mais coesa e um distanciamento crítico, este mosaico antropofágico poderia ir mais longe.