Críticas AdoroCinema
2,5
Regular
Pavarotti

Apenas um vislumbre do homem

por Barbara Demerov

Na cena que abre este documentário dirigido por Ron HowardLuciano Pavarotti está em uma de suas turnês em um local inusitado: a Amazônia. A câmera caseira o acompanha até um imenso teatro no meio da floresta - lugar esse onde outro famoso tenor, Enrico Caruso, uma vez já cantou. O teatro aparece como uma espécie de oásis a Pavarotti, que pede para o local ser aberto. Ele sobe ao palco e, com carisma, canta para algumas pessoas ali presentes. A cena traz toda a força contida em sua voz. Logo após, mais imagens caseiras são apresentadas, desta vez com sua segunda esposa Nicoletta Mantovani fazendo a seguinte pergunta: "Como você quer que as pessoas lembrem de você como Pavarotti, o homem?".

Essa é uma ótima pergunta que, apesar de dar um bom impacto inicial, não é devidamente respondida ao longo de quase duas horas de projeção. O que vemos é outro tipo de resposta, que destaca em níveis elevados o talento de Pavarotti e uma revisita a toda sua extensa carreira, desde sua infância até seu projeto chamado Pavarotti & Friends, que aconteceu até 2003. O filme de Howard não esconde seu objetivo de agraciar ainda mais a figura italiana que marcou a ópera no sentido comercial, ainda que, por vezes, tente inserir contrapontos de sua figura no âmbito pessoal, com foco em seus relacionamentos familiares.

No entanto, por mais que todo contraponto que envolva sua pessoa seja interessante e faça o espectador querer saber mais do que já está disponível para todos assistirem ou lerem em livros ou na internet, Pavarotti se contenta em seguir a narrativa mais óbvia, a mais descomplicada. São muitos os depoimentos que fazem parte do corte final: sua primeira esposa, Adua Veroni, suas três filhas, Mantovani, seu antigo empresário e até mesmo Bono Vox, da banda U2, relembram as experiências com o tenor e contam pequenos capítulos de sua vida. Eles adicionam informações sobre fases específicas da vida de Pavarotti ao filme, mas quase sempre a sensação de dúvida permanece. Isso é realmente tudo a ser contado?

As imagens caseiras que abrem o documentário e participam de todo o resto em pequenos fragmentos certamente poderiam ser mais aproveitadas, pois transformariam o documentário em um trabalho mais íntimo, com mais de Pavarotti falando sobre si de modo sincero do que com outras pessoas falando sobre suas perspectivas pessoais sobre ele. São outros olhares sobre uma pessoa que não era perfeita (afinal, quem é?), mas que no fim é tratada como se fosse - não importando seus erros mais inapropriados, envolvendo traições e ausência paternal, mas que são diminuídos pela montagem (ainda que suas filhas e ex-esposa claramente tenham muito a dizer).

Mas Howard faz uma bela homenagem a seu personagem e possui sábias escolhas com relação a quais momentos salientar, como a criação do projeto Os Três Tenores, iniciado no fim da Copa do Mundo de 1990 em Roma. Há também uma atenção maior à amizade que o tenor construiu com Princesa Diana e ao evento que Pavarotti criou para reunir artistas da música a fim de arrecadar dinheiro para a caridade. Narrativamente, a presença de Pavarotti & Friends também destaca a mudança no estilo de sua carreira em seus últimos anos de vida.

Ao menos alguns dos momentos que se sobressaem conseguem nos mostrar quais foram os maiores pontos de virada - mas apenas artisticamente falando. Pavarotti pouco fala sobre o homem, limitando-se a deixá-lo falar apenas no desfecho sobre como quer ser lembrado perante ao mundo. Conhecemos seus gostos por vinhos e massas italianas, assim como sua simpatia que reinava por onde passava; mas, como o foco do documentário representa apenas um lado de sua vida (o que fala sobre as conquistas e o talento irresistível), as palavras que selam a obra soam vazias, pois não tiveram aproximação suficiente para tornarem-se mais concretas.