Críticas AdoroCinema
2,0
Fraco
O Menino que Queria Ser Rei

Viver em tempos sombrios

por Francisco Russo

Lenda ou realidade, a história do rei Arthur e os cavaleiros da Távola Redonda cruzou os séculos como exemplo de lealdade e boa governança. Não por acaso, rendeu um sem número de adaptações para o cinema, seja retratando o conto de forma literal, trazendo pessoas do mundo contemporâneo à época retratada ou mesmo buscando reflexos de seus ideais. É neste último item que se enquadra este O Menino que Queria Ser Rei, a partir de uma hábil realocação proposta pelo diretor e roteirista Joe Cornish: como seria se o mundo atual se visse diante das propostas de Arthur e sua trupe?

Para tanto, Cornish ressalta o peso do trinômio guerra, depressão e medo à crise contemporânea, transposta ao universo infantil a partir do temível bullying. É ao enfrentá-lo que desponta o jovem Alexander William, defensor do amigo Beggers quando este é perseguido por dois garotos maiores da escola. Corajoso e leal, ele encara os desafios da idade e, ao se refugiar em um canteiro de obras, encontra uma certa espada encravada na pedra. O resto da história, se você conhece a lenda de Excalibur, é fácil deduzir.

O terço inicial de O Menino que Queria Ser Rei é bastante interessante por este rearranjo dos ideais da Távola Redonda ao mundo contemporâneo, sem deixar de lado a desconfiança perante a nobreza de tais atos. Em meio ao cinismo que nos ronda, como acreditar e convencer os demais sobre a necessidade de mudanças comportamentais? Uma pergunta que até é respondida parcialmente, dentro do universo estabelecido que claramente privilegia as crianças em detrimento aos adultos, meros coadjuvantes de terceiro escalão. Afinal de contas, é claro, esta é também uma aventura de fantasia.

É neste aspecto que o longa-metragem derrapa, por diferentes fatores. Um deles é a necessidade da jornada juvenil de aprendizado, que resulta em sequências alongadas e um tanto quanto incoerentes, especialmente na relação de Alex com a mãe. A presença do jovem Merlim, interpretado pelo histriônico e irritante Angus Imrie, a todo instante desvia o foco da essência desta história, de forma a trazer um suposto tom cômico que jamais funciona - muito devido ao próprio exagero no gestual e na postura do personagem, como fica escancarado toda vez que Patrick Stewart assume seu posto. Soma-se a isto o cansativo e interminável terço final, onde a batalha campal ganha ares supostamente épicos mas, ao mesmo tempo, soa incoerente e burocrática. Mera ação desenfreada para esconder os problemas de lógica no roteiro.

Intencionalmente ingênuo, O Menino que Queria Ser Rei tenta compensar tais problemas com o bom desempenho de seu elenco infantil, em especial o protagonista Louis Serkis e o fiel amigo Dean Chaumoo, e ainda efeitos especiais convincentes e bem resolvidos dentro do que a história exige, com exceção do exagerado desfecho onde o filme segue a cartilha habitual do quanto mais, melhor. Sobre o restante do elenco, vale destacar o absoluto desperdício de Rebecca Ferguson, relegada a um papel estereotipado onde mal se vê seu rosto, e ainda a inutilidade da personagem Kaye, de Rhianna Dorris: nada se sabe sobre suas intenções nem função na trama, o que a torna mero adereço em cena.

Bem intencionado e mal desenvolvido, O Menino que Queria Ser Rei torna-se uma decepção pelo que poderia ter sido, especialmente diante da hábil sacada inicial de seu criador. Ainda assim, é bem provável que no futuro se torne presença constante na Sessão da Tarde, pelos ideais que defende junto aos menores.