Críticas AdoroCinema
1,0
Muito ruim
O Colar de Coralina

Prelúdio de um prato quebrado

por Bruno Carmelo

Trabalhar com atores inexperientes representa um desafio considerável no cinema. Alguns diretores buscam maneiras de desconstruir o texto, permitir improvisos, simular vivências, incorporar experiências dos intérpretes de modo a reforçar a fluidez no jogo cênico. Outros diretores pedem que o elenco minimize gestos e não tente encenar para além de suas limitações, apenas estando presente e recebendo os estímulos da maneira mais bruta possível. O diretor Reginaldo Gontijo, em O Colar de Coralina, opta pelo caminho mais espinhoso: baseia sua narrativa numa sucessão de diálogos, às vezes escritos um tom acima da oralidade, entregando-os a crianças e torcendo para que os profiram com naturalidade.

O resultado não funciona a contento. Paira no filme uma constante artificialidade nos textos, nos corpos, nas expressões, nas poucas movimentações dentro de quadro. É difícil acreditar naqueles personagens, como se estivéssemos vendo o tempo inteiro um grupo esforçado tentando atuar, mas transparecendo a falta de técnica, particularmente ao lado de uma figura sempre tão natural em cena como Letícia Sabatella. O projeto empresta do teatro infantil tanto o aspecto lúdico e assumidamente farsesco quanto a aparência estática de uma narrativa truncada. Este é um cinema amador no aspecto positivo (de afeto) e no aspecto negativo (precariedade da produção) do termo.

O roteiro surpreende por suas escolhas de conflito e de ritmo. O motivo do colar demora muitíssimo a acontecer – ele não constitui o ponto de partida para a narrativa, e sim o desfecho -, e quando ocorre, revela-se rápido, anticlimático. É uma pena, pois este elemento deveria funcionar como representação máxima da opressão feminina, enunciada em frases didáticas pelas personagens. Mas a suposta eficácia psicológica do castigo (usar um colar de cacos para mostrar publicamente a vergonha de ter quebrado o prato valioso) não funciona, primeiro porque a personagem supera magicamente o caráter punitivo do objeto, e segundo porque inexiste uma sociedade ao redor para criar o sentimento de vergonha, angústia ou medo. Os personagens perambulam por uma cidade vazia, falam de um preconceito masculino que não vemos, deploram uma miséria invisível, reclamam das fofoqueiras ausentes nas janelas das casas.

Até a inevitável quebra do prato, a narrativa erra sem rumo, com poucos conflitos e cenas bastante longas – a amarelinha, os bailes lúdicos –, dando a impressão de um projeto singelo, porém esticado até atingir a duração aceitável para um longa-metragem. A direção encontra dificuldade em enquadrar no espaço limitado do corredor, enquanto a câmera se vira como pode dentro dos cômodos, produzindo cenas esvaziadas de interesse dramático ou estético. De modo geral, as personagens passam a existir no momento em que se grita “ação”, mas não possuem passado, futuro, desejos, personalidades delineadas. Trata-se de arquétipos – a protofeminista à frente do seu tempo, as mulheres conservadoras etc. -, dotados de funções simples.

Enquanto projeto destinado ao público infantil, O Colar de Coralina corre o risco de não se comunicar com este segmento devido à timidez dos aspectos fantásticos, ao caminhar lânguido da trama e pelo fato de o ponto de vista não coincidir com o olhar das crianças. Algumas pequenas inserções de animação são bem-vindas, porém incapazes de retirar o projeto da inércia narrativa. Apesar da louvável vontade de destacar o protagonismo feminino, valorizar a poesia de Cora Coralina e debater o Brasil do século XIX à luz da conturbada sociedade atual, o projeto se perde em suas fragilidades de produção, roteiro e direção.