Críticas AdoroCinema
2,0
Fraco
Nada a Perder - Contra Tudo. Por Todos

O escolhido por Deus

por Bruno Carmelo

Desde as primeiras cenas desta biografia, Edir Macedo é apresentado como uma pessoa diferente das demais. Ele sofre bullying na infância por causa da pequena deformidade na mão. Quando começa a se interessar pela palavra divina, desafia o estilo de vida dos colegas e das namoradas. Nas primeiras pregações, incomoda os pastores egocêntricos. Após construir um império, sofre represália de católicos e de políticos em Brasília. O lema “Contra tudo, por todos”, talvez pudesse ser reduzido para “contra todos”. O protagonista é o único homem verdadeiramente escolhido por Deus, já que os outros “não pregam com a mesma paixão”, como afirma um personagem.

Em se tratando de uma biografia não apenas autorizada, mas encomendada e produzida pela Igreja Universal, é de se esperar que o retrato do bispo não seja repleto de nuances. Edir Macedo, aqui, é um homem sem defeitos: pastor incansável, pai carinhoso, bom orador, visionário quanto aos suportes da pregação religiosa, homem de honestidade impecável e sem interesse no enriquecimento pessoal. Na fase adulta, Petrônio Gontijo compõe uma figura impulsiva, movida por um fervor inegável, mas ao mesmo tempo calma e confiável. Seus sorrisos são meios-sorrisos, seus choros são pequenas lágrimas. O ator demonstra um equilíbrio sobre-humano de virtudes, como convém à hagiografia.

No que diz respeito à religião, a vertente evangélica é apresentada como a única verdadeira e eficaz. Uma rara cena cômica é introduzida para debochar das crenças de origem xamânica e/ou africana. O catolicismo recebe golpes frequentes, desde a adolescência do personagem até a entrada de um opositor católico realmente maligno (Eduardo Galvão). Desafetos do bispo são expostos em mais de uma ocasião, a exemplo do missionário R. R. Soares (André Gonçalves), uma espécie de pop star da religião, movido pelo ego e pelo espírito de concorrência. Somente a palavra evangélica pode curar crises de asma e tirar o demônio do corpo das pessoas - vide a econômica cena de exorcismo.

De modo geral, o discurso insiste na ideia da predestinação e da conversão. Todos os encontros de Edir se tornam lances de um destino traçado: quando conhece Ester (Day Mesquita), ele sabe imediatamente que quer se casar com ela, quando começa a pregar para poucas pessoas, é Albino (Leonardo Franco) que se torna um de seus fiéis apoiadores. Enquanto isso, defende a necessidade de converter as pessoas, espalhar a mensagem da Bíblia a todo custo, inclusive na prisão. O único motivo pelo qual Edir teria sido preso, de acordo com a versão oficial, é o sucesso de suas palavras. O homem jamais teria enriquecido às custas dos fiéis, jamais teria enfrentado reais problemas na justiça, jamais visaria construir um império - seria tudo intriga da oposição.

Como se trata de uma produção caríssima - mais de R$40 milhões para os dois filmes, gravados simultaneamente - o esmero de produção se vê na tela. A reconstituição de época é competente, o ritmo é bem encadeado, as cenas com diversos figurantes dão conta do gigantismo caro à igreja Universal. O problema não se encontra na existência de recursos, mas no emprego dos mesmos. Dispondo de todas as ferramentas desejáveis, o diretor Alexandre Avancini aposta em recursos fracos de linguagem: a trilha sonora excessiva, dizendo quando chorar, quando temer e quando se alegrar (como se o espectador não fosse capaz de distinguir por conta própria); as câmeras lentas para aumentar o impacto; os inimigos filmados num escuro profundo; as chuvas redentoras; as frases de efeito; o fetiche pelos movimentos de gruas, clichês do cinema bíblico.

Alguns problemas são visíveis - o não envelhecimento de Ester, a representação da deformidade das mãos de Edir, que aparece e desaparece de acordo com as cenas, a incapacidade da maquiagem em representar um lábio leporino. Mas de modo geral, temos uma produção competente sem ser ostensiva - talvez ela seja mais escolar do que realmente espetacular. Mesmo sem a temida aparência de telenovela, o resultado é uma linguagem simples, destinada a pessoas com pouco senso crítico para questionar o acentuado maniqueísmo e o retrato positivo demais do biografado. Esta “ficção baseada em fatos” tem menos relação com outras produções religiosas brasileiras do que com os recentes Polícia Federal - A Lei é Para Todos e Real - O Plano Por Trás da História. Trata-se de filmes que pretendem dizer ao espectador quem amar e quem detestar, qual é o problema do Brasil e qual a sua solução. Não se pretende incitar a reflexão: espera-se que o espectador compre o discurso pronto, sem contestar, como uma passiva ovelha diante do pastor.

Por Fim, Nada a Perder não é nem o projeto vergonhoso que os detratores esperavam, nem o blockbuster brasileiro anunciado, tampouco reata o cinema religioso nacional com a crítica e um público amplo. Endinheirado na forma e unilateral no conteúdo, ele funciona como uma ferramenta de branding, um instrumento de sustentação da marca Edir Macedo e da igreja Universal. Em ano de eleições, quando a bancada evangélica busca expandir seu número de representantes, o esforço de marketing é compreensível. Depois de ganhar as ruas, os rádios, a televisão, a palavra do bispo chega ao cinema.