Críticas AdoroCinema
4,0
Muito bom
Nascimento

Rituais de vida e morte

por Bruno Carmelo

Um corpo masculino se desloca pela floresta. Está escuro, ele é visto de costas. Depois de algum tempo, tira a roupa e se joga no rio. Não se sabe quem é, nem o que está fazendo. Mesmo mais tarde, desconhecemos o seu nome ou aquele das pessoas ao redor. Este estranhamento de ações é determinante em Nascimento, uma produção colombiana muito especial. Com pouquíssimos diálogos, o drama se consagra às questões de nascimento e morte num pequeno núcleo familiar vivendo isolado na natureza.

Não espere do roteiro explicações sobre os laços de família, sobre a psicologia dos personagens. A câmera fornece o acesso às manifestações corriqueiras do núcleo familiar. De certo modo, este projeto silencioso e contemplativo poderia ser descrito como um filme de ação: seu sentido se encontra nos gestos e na exterioridade. Trata-se da apreensão da realidade, mais do que de sua representação. Assim, para o retrato da vida, o diretor Martín Mejía mostra o plano próximo de uma garota grávida nua, e de cavalos copulando. Para as imagens da morte, filma escamas de peixe secando, ou a calça boiando do rio, que costumava pertencer ao falecido pai da família.

A água, eterno símbolo de fertilidade, é vista com uma mistura de salvação e perigo: por um lado, é ela que permite beber água, se lavar e buscar os peixes que servem se almoço, por outro lado, ela tem correntezas fortes que representam riscos. Como nos filmes de Naomi Kawase, a natureza determina os rumos da vida humana, influenciando a vida dos indivíduos mais do que eles a influenciam. O luto, tema caro à cineasta japonesa, também é abordado como passagem natural, vivenciada junto às árvores e às plantas. A religião cristã está ausente deste cenário: os rituais de perda são experimentados através da fusão com o cenário ao redor.

Mejía faz de seu filme um belíssimo retrato impressionista. Fugindo ao estetismo, ele oferece enquadramentos e composições espetaculares, com olhar atento ao feixe de luz atravessando das frestas do muro, as gotas de água percorrendo um sulco no chão, a mulher grávida deitada ao lado do pequeno rádio de pilha em sua cama. O diretor dispensa luzes rebuscadas ou movimentos extravagantes para extrair beleza daquelas vidas minimalistas: basta, por exemplo, posicionar a câmera na outra margem do rio para mostrar como a garota grávida é pequena diante da floresta que a cerca.

A fotografia também desempenha um trabalho notável, em especial com as baixas luzes das cenas noturnas. Ao mesmo tempo, a imagem evita a nitidez extrema das reportagens sobre a natureza: os contornos são levemente esfumaçados, promovendo uma fusão simbólica dos personagens com o meio. Nascimento é um filme cercado de mistérios sobre as motivações daquelas pessoas, sobre seus sentimentos e sobre o papel que a natureza exerce em suas vidas. A conclusão opta por um plano-sequência de um parto, com o enquadramento fixo na vagina. É uma escolha ao mesmo tempo ousada e óbvia, poética e realista. O grande trunfo deste projeto é acreditar que a poesia pode ser extraída em estado bruto da própria natureza, e não elaborada a partir dela.

Filme visto na 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2016.