Críticas AdoroCinema
3,0
Legal
A Vida Extra-ordinária de Tarso de Castro

O herói marginal do jornalismo brasileiro

por Bruno Carmelo

O icônico jornal O Pasquim, muito ativo nos anos 1970 e 1980, é conhecido por figuras como Ziraldo, Millôr e Jaguar, responsáveis por suas principais paródias políticas. Mas este documentário pretende resgatar outra figura igualmente importante da publicação: Tarso de Castro, um dos fundadores do periódico. Os diretores Zeca BritoLeo Garcia enxergam em Tarso uma representação quase ideal do jornalismo: debochado, espontâneo, sem preocupação em incomodar os poderosos, extraindo as suas informações diretamente das conversas nos bares cariocas.

Os melhores momentos do documentário se encontram na contextualização social. A existência de um jornal satírico se torna ainda mais excepcional por ocorrer em pleno AI-5, durante a ditadura militar. O filme explora de modo eficaz os métodos de trabalho nos tempos da censura e efetua uma rápida comparação com o jornalismo chapa-branca de hoje, controlado por grandes famílias milionárias. Além disso, abre espaço para questionar fatos, lançando uma série de histórias que poderiam ter sido exageradas ou francamente mentirosas em relação a Tarso de Castro e ao Pasquim. Estamos no terreno da lenda, e às vezes uma anedota vale mais pela influência cultural do que pela fidelidade a eventos reais.

O ritmo é descontraído, capaz de traçar uma crônica daqueles tempos através das memórias de grandes jornalistas e artistas brasileiros. Brito e Garcia se interessam muito mais à percepção do biografado do que às reviravoltas em sua vida. A morte, por exemplo, se torna um detalhe: o filme prefere colecionar causos deste homem que “amava a bebida, as mulheres e o jornalismo”, de acordo com um entrevistado. O projeto dedica um tempo considerável a reforçar a virilidade do personagem, seus poderes de conquista, suas habilidades na cama, sua sedução também com os amigos e entrevistados. É compreensível que o desejo sexual tenha sido muito importante ao Tarso, mas surpreende que o projeto demonstre tamanha insistência na questão.

O olhar portado ao jornalista se revela puramente elogioso, sintoma de um documentário com pouco recuo em relação ao seu tema. Tarso de Castro é visto como generoso com dinheiro, implacável com as mulheres, mais espontâneo e bem informado que os outros jornalistas, aberto a questões étnicas e de orientação sexual, enfim, um “homem do mundo” que “luta por um mundo melhor, mais humano”, ainda segundo os entrevistados. Diante de uma figura com tantas inimizades e posturas tão controversas, uma abordagem com mais nuances seria desejável. Mas o projeto prefere o olhar na terceira pessoa, marcado pela saudosa nostalgia. Tarso se vê atrelado a um tempo de que todos os entrevistados têm saudade. Relembrar Tarso se torna sinônimo de recordar a juventude, a bebedeira, as mulheres, as brigas – aqueles “bons tempos que não voltam mais”.

Os diretores reforçam este efeito através de uma mise en scène pensada para tornar o filme igualmente boêmio. Sem depoimentos dirigidos à câmera, divide suas cenas em conversas a dois ou três num bar ou restaurante, regadas a álcool e comida, e conversas de pessoas sozinhas ao telefone, conversando com um interlocutor invisível ao celular enquanto são filmadas. Esta é provavelmente a escolha mais estranha do projeto, pelo posicionamento indeciso da câmera. Brito e Garcia estão próximos demais dos entrevistados, porém se pretendem invisíveis; eles claramente instigam um tópico específico de conversa (as lembranças de Tarso), mas sugerem que aquelas trocas nascem de modo espontâneo.

Em outras palavras, a impressão de realismo comum ao documentário é prejudicada pela encenação das conversas. Exceto por essa tentativa de originalidade, o documentário segue uma cartilha bastante tradicional, intercalando as entrevistas com imagens do Pasquim e fotografias do protagonista. Trechos de filmes brasileiros, como Paulo José representando Tarso, funcionam estabelecem uma boa analogia, embora permaneçam minoritários. A Vida Extra-ordinária de Tarso de Castro se conclui como uma obra competente em termos técnicos, agradável de se assistir, embora elogiosa demais e muito artificial na mecânica dos depoimentos.