Críticas AdoroCinema
2,0
Fraco
A Atração

As sereias vampiras cantoras

por Bruno Carmelo

Todo grande festival de cinema que se preze precisa de um filme insano, controverso, capaz de despertar o burburinho pelos corredores. Na Mostra de São Paulo 2016, esse título já tem dono: A Atração, história sobre duas sereias que se alimentam de carne humana, cantam e dançam como duas divas pop, conversam por telepatia e sonham em se apaixonar pelo ser humano perfeito.

A história traz muitos outros elementos, como demônios de chifres cortados, prostituição, números musicais em grandes supermercados, carnificina dentro de um carro, zoofilia, abuso de menores etc. Não vale a pena entrar em detalhes da trama, até porque a coerência é o que menos importa à diretora Agnieszka Smoczynska. Nada faz muito sentido nesta história: personagens morrem e ressuscitam, se amam e se afastam antes mesmo que o espectador possa perguntar “Mas quem era essa mulher mesmo?”. A cineasta filma as suas cenas barulhentas com o fervor e a lógica de um videoclipe da MTV.

O papel das mulheres neste contexto é no mínimo ambíguo: ora elas são devoradoras de homens – literalmente – ora são lolitas virginais sem orifícios no corpo, às vezes dançam e cantam pela sobrevivência, às vezes o fazem por prazer. A câmera se deleita com os corpos das protagonistas nuas, em olhares lânguidos para o espectador, sem demonstrar distanciamento em relação a essa sedução. Na verdade, parece aderir à exploração sofrida pelas sereias. A estética opressora impede que qualquer discurso emirja dos quilos de plumas e paetês. Pouco importam as personagens, afinal, o show precisa continuar.

O resultado é o choque nos primeiros momentos, a anestesia dos sentidos num segundo passo, e finalmente a indiferença em relação à histeria em tela. A Atração poderia criar uma premissa absurda e depois explorar o seu funcionamento de modo verossímil, como fez o recente Corrente do Mal. Mas o filme constrói as regras de acordo com a necessidade: primeiro, as sereias Dourada (Michalina Olszanska) e Prateada (Marta Mazurek) não têm genitália, depois descobre-se que uma fenda na cauda funciona como vagina; elas se transformam em sereias ao mínimo contato com a água, mas depois chegam encharcadas em casa e nada acontece.

É uma pena que a estética pese tanto sobre a trama, porque percebe-se a vontade de resgatar o contexto perverso da história original da Pequena Sereia, como a transformação em espuma do mar e o perigo de mutilação corporal em caso de paixão por um humano. O tradicional “canto da sereia” também é aproveitado pela história, mas em contexto pop, adaptado à velocidade de imagens do século XXI. Talvez o filme inteiro seja uma transposição da fábula de Hans Christian Andersen à época em que as imagens de massa valem mais pelo brilho, pela velocidade, pelo potencial estroboscópico do que por sua relação com a realidade ou seu potencial de reflexão.

Filme visto na 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2016.