Críticas AdoroCinema
1,5
Ruim
Cópias - De Volta à Vida

Como fazer um clone em casa

por Bruno Carmelo

Nota importante sobre as ficções científicas: o valor cultural destas histórias não se encontra apenas em sua criatividade e distância em relação à realidade. Muito pelo contrário, histórias sobre a exploração de planetas distantes, sobre clonagem e robotização servem sobretudo a representar nossas angústias presentes, nosso medo de sermos substituídos ou ainda o desejo de driblar a morte. Neste contexto, cada autor lida com os conflitos humanos da maneira que lhe convém: através do confronto com clones ou com robôs, inserindo-o num futuro plenamente virtual ou massivamente analógico, imaginando a possibilidade da vida eterna ou então da ressurreição.

Os criadores Cópias – De Volta à Vida, por sua vez, utilizam todas essas possibilidades e mais algumas. Ao invés de optar por um caminho preciso, apresentando um tipo de tecnologia e suas implicações – benéficas e maléficas -, o diretor Jeffrey Nachmanoff e o roteirista Chad St. John concebem um tempo presente em que todos os elementos do imaginário popular da ficção científica estão disponíveis, simultaneamente, permitindo a transferência de consciência de um humano a um robô em questão de segundos. O cientista Will Foster (Keanu Reeves) utiliza tanto agulhas gigantescas e capacetes de aço quanto telas holográficas translúcidas. Ele acessa cada memória num painel virtual, com direito a sons e trajetos luminosos entre neurônios, mas depois armazena o pensamento de uma pessoa em um caixote metálico de aparência enferrujada.

A opção pelo futurismo retrô não é incomum, porém se revela bastante incoerente neste filme. O espectador minimamente atento poderá lançar dezenas de perguntas quanto ao processo, e quanto às implicações de tal uso nos dias de hoje: se as pessoas podem armazenar o pensamento humano com tal facilidade, como isso jamais foi aplicado em outras áreas da ciência? Como alguém consegue efetuar clones na garagem de casa, fugir com equipamentos bilionários sem que a empresa de tecnologia perceba? Como armazenar clones humanos em jarros com água sem providenciar equipamentos para respirarem? Se os humanos envelhecem a cada dia que permanecem no jarro líquido, por que o tempo de espera é o mesmo para uma criança e uma mulher adulta?

A lista poderia continuar, mas talvez o espectador precise aceitar este mundo de facilidades. Num acidente, Will perde toda a sua família, enquanto sai curiosamente ileso. Ele sofre durante poucos minutos, antes de decidir recriar a própria família. O mundo ao redor fornece pouca ou nenhuma resistência a este plano: não há testemunhas para o acidente, a esposa morta não possui família ou amigos para cobrar a presença dela, o valioso cientista desaparece durante dias sem que as pessoas se importem de fato no trabalho. O roteiro trabalha num mundo transparente, desprovido de tensão. Os celulares dos filhos mortos estão destravados e acessíveis para uso, todas as baterias das redondezas são roubadas sem maiores investigações. O próprio milagre da sobrevivência de Will é aceito sem questionamento.

O filme evita a todo custo falar em religião – a eterna pergunta se os humanos teriam o direito de clonar, por estarem “se passando por Deus”-, porém investe numa tese de destino, empurrando o seu personagem rumo a decisões que ele não controla. A narrativa não divide um mar em dois para que ele atravesse, mas leva todos os equipamentos de clonagem à sua casa, cala os vizinhos, fornece bateria suficiente, evita problemas tecnológicos e inclusive fornece um bom amigo, Ed Whittle (Thomas Middleditch, de longe o melhor nome do elenco) disposto a se livrar dos corpos. A trama se desenvolve de modo tão fácil que deixa de fazer as perguntas óbvias associadas à clonagem, como as diferenças (emocionais, essenciais) da cópia em relação ao original, os limites científicos da prática, as consequências da comercialização desta tecnologia.

Cópias – De Volta à Vida apresenta um estilo igualmente impessoal na direção. Nachmanoff até aposta em alguns close-ups angulados em alguns momentos, porém sem extrair qualquer efeito particular deste recurso, e se limitando a retratar o corpo de seus personagens durante o resto do tempo. Ele não explora o espaço da casa, os ruídos ao redor, a sensação de estranheza da cópia em relação ao original. Keanu Reeves, um ator conhecido pela expressividade limitada, soa como uma escolha equivocada para um papel que exigiria tamanho desenvolvimento emocional, e as cenas com a esposa Mona (Alice Eve) beiram a paródia pelos dotes igualmente restritos dela.

De certo modo, o conjunto inteiro se encontra a dois passos da sátira de ficção científica, por trabalhar com o acúmulo e o absurdo. O filme poderia constituir uma deliciosa brincadeira com os códigos do gênero se ao menos percebesse que suas lacunas chamam muito mais atenção do que seus acertos. Para dois criadores de ficção científica, Nachmanoff e St. John demonstram pouco interesse no modo de representar a ciência em imagens e torná-la minimamente verossímil ao espectador. Pelo menos, que se divertissem com esse grande mosaico de ideias dispersas, ao invés de o encararem como o drama profundo sobre um cientista em luto.

Atenção: possíveis spoilers a seguir!

Pior do que isso, trabalham com uma conclusão questionável: ao mesmo tempo que evitam as mensagens do cautionary tale (a sugestão de que a clonagem é perigosa e deveria ser evitada, por exemplo, ou que precisaria ser regulamentada e controlada), os autores sugerem que vale alimentar a sede dos empresários gananciosos contanto que se tenha a família de volta. Para sua felicidade pessoal, Will vende a alma ao diabo sem pensar duas vezes, e o filme nos apresenta essa solução como um final feliz. É uma pena ver tantas questões fascinantes (sobre ética, moral, ciência, humanidade) soterradas pelo imperativo de restituir a família patriarcal.