Críticas AdoroCinema
3,0
Legal
A Senhora Da Van

A pobreza bate à porta

por Francisco Russo

Chama a atenção o fato de A Senhora da Van ser baseado em fatos reais – ou ao menos grande parte do filme, como ressalta o alerta presente logo no início do longa-metragem. Não propriamente por ser uma história surpreendente, mas por trazer aos habitantes de um típico bairro de classe média (alta?) britânico a pobreza nua e crua, escancarada ao alcance das mãos. É no relacionamento entre a senhora Shepherd e seus vizinhos que está a sutileza do roteiro e também a beleza da situação como um todo.

A trama gira em torno do fato da tal senhora Shepherd viver em uma van que, de tempos em tempos, troca de vaga ao longo do bairro de Camden Town. Tais mudanças são um martírio para os vizinhos, devido aos hábitos pouco higiênicos da motorista de passado misterioso. O único que a tolera – e a palavra certa é esta, tolera – é o escritor Alan Bennett, que cede o banheiro para que ela possa usá-lo – não sem muitas reclamações, é bom ressaltar. É neste ponto que A Senhora da Van chama a atenção: por mais que às vezes surja uma ajuda aqui ou ali, na verdade todos os envolvidos querem mesmo é que a senhora e sua van desapareçam de suas vidas. A existência de uma pessoa que aceite passar por necessidades morando tão próximo incomoda, não apenas pela existência de tal realidade em um bairro abastado mas, também, pela dificuldade em lidar com o diferente. E isto vale também para Alan, o “herói” da narrativa.

É bem verdade que, mesmo com todos os seus preconceitos, ainda assim Alan demonstrou humanidade ao ajudá-la. Como é o verdadeiro Alan Bennett quem assina o livro e a adaptação do mesmo para o cinema, é natural que não haja uma mão muito pesada em relação ao incômodo da pobreza ao lado, tratado mais a partir de comentários ácidos, típicos do senso de humor inglês, e um certo coitadismo que logo se transforma numa espécie de “adoção coletiva da figura excêntrica do bairro”. Ou seja, o explosivo tema que poderia render bastante pela diferença de classes em um país capitalista de primeiro mundo é naturalmente minimizado, por mais que permaneça sempre nas entrelinhas.

Diante disto, o interesse maior do diretor Nicholas Hytner é ressaltar as personalidades tão anacrônicas da senhora Shepherd e de Alan, e como aos poucos surgiu entre eles uma relação de respeito e agradecimento, com cada um guardando para si segredos bem particulares. É possível notar um carinho palpável por ela, auxiliado pela atuação sempre competente de Maggie Smith, desta vez em uma personagem de atitude que, em muitos casos, torna-se antipática para o próprio público. A atriz consegue driblar bem estes momentos, incitando no espectador um interesse genuíno pela personagem. Já Alex Jennings constrói um Alan Bennett multifacetado, cuja psiquê surge dividida em duas em vários momentos e que tem na insegurança seu traço mais marcante.

Conduzido sempre em clima ameno, já que não há interesse em tocar em temas mais espinhosos, A Senhora da Van cumpre sua função de trazer tal história tão pitoresca ao grande público, agora nas telas de cinema. Entretanto, por mais que tenha dois bons protagonistas e seja até interessante, o filme por vezes cansa pelo tom monocórdio que adota, sem qualquer movimentação brusca ao status quo estabelecido desde o princípio.

Filme visto na 39ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2015.