Críticas AdoroCinema
2,5
Regular
O Caso Richard Jewell

O loser transformado em herói

por Sarah Lyra

Em O Caso Richard Jewell, o diretor Clint Eastwood parte de uma estrutura convencional de histórias de superação para apresentar o personagem-título, um formato popular em Hollywood que, aqui, consegue se destacar por alguns motivos, mas peca em muitos outros, a começar pelos arquétipos representados pelos personagens. Se por um lado Paul Walter Hauser personifica com eficiência a figura do conservador loser, cuja maior ambição é servir seu país em algum cargo do sistema de segurança pública, Jon HammOlivia Wilde beiram o constrangedor nas peles do agente Tom Shaw e da jornalista Kathy Scruggs, respectivamente.

Scruggs é a repórter inquieta e inescrupulosa, que reza para ser a primeira a chegar no local de alguma tragédia com o intuito de noticiar os acontecimentos antes dos colegas de profissão. Implacável, a personagem se dispõe a fazer qualquer coisa para alavancar sua carreira, inclusive dormir com possíveis fontes para obter informações em primeiro mão — um desserviço não só à Kathy como a todas as mulheres. E, claro, assim como já foi feito extensamente em outras produções, essa figura também terá sua trajetória de redenção ao perceber que há coisas mais importantes do que um furo jornalístico, principalmente se alcançá-lo significa destruir a vida de alguém.

Hamm, embora tente sugerir que em nada se parece com Scruggs, também tem convicções pouco embasadas e está disposto a passar por cima das regras para prender o suposto culpado. As cenas em que o ator tem destaque são quase sempre com o intuito de mostrar o constante abuso de poder durante a investigação, que consiste em induzir o suspeito a cometer erros, como assinar um depoimento sem a presença do advogado e consequentemente gerar provas contra si mesmo. Nas poucas cenas que interagem, Hamm e Wilde parecem limitados pelo texto raso e têm dificuldade em gerar empatia por seus personagens. Watson Bryant, por sua vez, embora conte com o carisma de seu intérprete Sam Rockwell, nunca tem suas motivações realmente expostas. Para um advogado com problemas em estabelecer uma reputação e se manter financeiramente, o que significa fazer parte de um caso com tanta repercussão como o de Jewell? Essa questão nunca é trabalhada pelo roteiro, que prefere tratar Bryant como um homem inquestionavelmente nobre e comovido diante de uma injustiça.

O ponto em que O Caso Richard Jewell acerta é ao evidenciar a contradição do governo americano ao lidar com o armamento da sociedade civil. Na trama, o estado da Geórgia, que não só permite como implicitamente incentiva o direito de propriedade a armas de fogo, não hesita em tratar um suspeito como criminoso quando convém, mesmo se tratando de uma investigação federal. Jewell, segundo um perfil montado pelo FBI, teria muito mais chances de ser o culpado do atentado das Olimpíadas por conta de sua preferência de estocar revólveres e fuzis, mesmo que tudo indicasse que o uso das armas era recreativo. Ou seja, o mesmo Estado que defende a necessidade do cidadão americano de se proteger também é o primeiro a acusá-lo em uma situação de vulnerabilidade pública.

Ainda assim, o filme não é tão enfático em apontar a contradição. Este se torna apenas um detalhe de uma abordagem que, de maneira geral, se interessa mais em edificar o protagonista e comover a qualquer custo, mesmo que isso signifique abrir mão de nuances importantes da história, como o aspecto político. A cena de Kathy Bates fazendo um apelo público ao presidente dos Estados Unidos, enquanto Scruggs chora e se questiona sobre sua postura como jornalista, é um dos sintomas dessas escolhas do diretor.

“Ainda se trata dos bonzinhos enfrentando os maus”, afirma Jewell em certo momento, tentando defender a importância do cargo de segurança que exerce. Com esta frase, Eastwood parece estar falando de seu próprio trabalho, já que resume O Caso Richard Jewell a uma dicotomia de bem contra o mal, assim desperdiçando a chance de usar acontecimentos dos anos 1990 para problematizar o momento atual da América, que tem em Donald Trump seu maior emblema.

Filme visto no 21º Festival do Rio, em dezembro de 2019.