Críticas AdoroCinema
1,5
Ruim
O Físico

Nas trevas

por Francisco Russo

Existe uma polêmica acerca de O Físico, que passa ao largo da qualidade do filme: a tradução brasileira de seu título original. The Physician, o título original, seria O Médico ao ser traduzido para o português. Entretanto, é este também o título do livro de Noah Gordon no Brasil, o que levanta a questão da fidelidade ao material original. Mais ainda: há quem defenda esta tradução, já que na época apresentada pela história não existiam médicos de fato e as pessoas que se dedicavam a cuidar das doenças eram, na verdade, chamadas de physicist, ou seja, físico. Questões linguísticas a parte, fato é que o longa-metragem dirigido por Philipp Stölzl traz uma interessante abordagem sobre um tema pouco visto nas telas de cinema, mas que fracassa devido aos exageros e clichês presentes no decorrer da trama.

O início de O Físico até anima. Em plena Inglaterra do século XI, os poucos que se dedicam à arte da cura enfrentam as mais diversas dificuldades, seja pelo desconhecimento do próprio corpo humano ou pela crendice da população acerca de seus remédios e métodos. Este cenário, típico da Idade das Trevas, reflete bem o momento em que a igreja detinha tanto poder na vida das pessoas que prejudicava a própria evolução da sociedade, já que aqueles que abriam e dissecavam corpos humanos eram considerados hereges e condenados à morte. Este trecho, que dura em torno de 20 minutos, chama a atenção justamente pelo tom realista e até histórico, bem caracterizado e atuado. O problema vem logo a seguir.

Como o personagem principal, Rob Cole (Tom Payne, burocrático), deseja aprender mais sobre a (quase inexistente) medicina, ele topa viajar para o outro lado do mundo conhecido, a Pérsia, onde pode estudar com um consagrado médico chamado Ibn Sina (Ben Kingsley, apático e se repetindo em mais um personagem asiático), que fazia algo revolucionário: cuidar de um hospital. É a partir de então que o filme passa a apelar para todo tipo de clichê dramatúrgico: apresenta as dificuldades da travessia, cria um triângulo amoroso mal desenvolvido, traz colegas de turma que logo batem de frente com o novato bem intencionado, um xá bem egoísta e arrogante e ainda uma doença perigosa à espreita, a peste negra. Quer mais? Rob ainda tem o poder de antever quando as pessoas estão prestes a morrer, o que lhe dá a oportunidade de tentar desvendar a enfermidade antes que ela seja fatal – um dom que o dr. House adoraria ter em mãos.

Diante de tantos estereótipos, não há qualidade que resista. Ainda mais quando a representação da Pérsia é tão pobre visualmente, especialmente a direção de arte, o que alimenta ainda mais a sensação constante de filme B. Isto sem falar de certos diálogos sofríveis e dos cortes abruptos presentes no longa-metragem, decorrentes da diminuição da duração do filme em 36 minutos pela distribuidora brasileira. É fácil notar de onde tais cenas foram retiradas, especialmente no período em que a travessia rumo à Pérsia é apresentado – há um grande salto entre a saída de Londres e a chegada ao Egito.

Ao optar pela história fácil do triângulo amoroso em detrimento de uma possível crítica ao ideal reinante que impedia uma maior investigação sobre o corpo humano, e consequentemente o aprofundamento do conhecimento, O Físico se apequena bastante e fica bem longe do que seu início insinuava. Ainda mais porque teima em deixar de lado o fundo realista para investir em um lado metafísico, como se Rob fosse um mutante com poderes que o ajuda a seguir seu dom natural em curar as pessoas. Soou piegas? É por aí mesmo.