Críticas AdoroCinema
4,0
Muito bom
Laurence Anyways

Uma paixão

por Lucas Salgado

Com apenas 23 anos, Xavier Dolan já pode ser considerado um diretor cultuado, sendo figurinha carimbada em festivais internacionais pelo mundo. Laurence Anyways é seu terceiro longa-metragem, em que ele mais uma vez mostra que tem o que dizer.

A trama gira em torno do amor e da cumplicidade entre uma mulher e um homem que decide mudar de sexo. Propícia à caricaturas e exageros, a história acontece numa naturalidade impressionante, com o espectador embarcando naquela jornada e sofrendo junto dos personagens principais.

O homem em questão é Laurence, vivido intensamente por Melvil Poupaud, conhecido pelas atuações em O Refúgio e O Tempo que Resta, ambos de François Ozon. O ator foge do estereótipo e dá ao personagem uma grande carga emocional. Ele sabe que sua decisão vai afetar a vida de muitos, em especial da companheira, mas percebe que este é o único caminho que ele tem para entrar em harmonia com o próprio corpo e para ficar feliz ao se olhar no espelho. Outro mérito da produção é não fazer dessa jornada algo simples para Laurence. Ele está decidido, mas isso não torna simples o fato de contar a novidade para a mãe ou dar aula vestido como mulher.

Laurence conta com o apoio da namorada Fred (Suzanne Clément), que luta contra a vontade de largar tudo e sair de casa para apoiar o companheiro. O longa merece aplausos por tornar este aparentemente amor impossível em algo palpável para que assiste.

É claro que a nova realidade de Laurence, aos poucos, vai minando sua relação com Fred, gerando conflitos inevitáveis, mas em momento algum a obra duvida do amor que um sente pelo outro.

É importante ressaltar, mais uma vez, a naturalidade com a qual a história é contada. Estamos diante de um romance trágico e não apenas de um drama sobre mudança de sexo. A trama é envolvente e um dos poucos defeitos da produção está em sua longa duração. São 160 minutos, ou seja, 2 horas e 40 minutos, que podem fazer muitas pessoas se "desligarem" do filme. Não há nada que justifique tal duração, ainda mais quando vemos o longa perder muito, mas muito tempo com esteticismos desnecessários.

Dolan tem uma concepção visual bem interessante e já havia mostrado isso em Eu Matei Minha Mãe e Amores Imaginários, mas é evidente que, em alguns momentos, ele se preocupa mais com o lado estético do que com a narrativa. Ele usa em acesso a câmera lenta, a música de impacto – clássica ou moderna – e as tomadas em close para mostrar o sentimento dos personagens. Usadas moderadamente, todas as técnicas poderiam ser interessantes para a obra, mas não é o que vemos aqui.

Em determinada cena, em que um personagem recebe uma carta, vemos o texto colado sobre a imagem da pessoa lendo, com letras garrafais que ocupam toda tela. Em outra sequência, logo após Fred deixar de usar os cabelos rúivos, vemos a personagem em um ambiente totalmente vermelho, criando um contraponto belíssimo. Estes são exemplos claros que como o uso moderado de um elemento estético pode tornar o filme marcante. Deve-se deixar claro, Laurence Anyways é visualmente interessante e que as ressalvas acima são no sentido de que poderia evitar, em algumas cenas, a banalização do elemento visual.

O longa conta ainda com uma ótima participação de Nathalie Baye como a mãe de Laurence. Pela primeira vez, Dolan não atua em um de seus filmes. Ele só dirigiu e foi responsável pelo roteiro. E digo só, porque em Amores Imaginários ele também foi ator, produtor, figurinista e montador.

Ao final, fica a sensação de que poderia ser um filme menor – em termos de duração –, uma vez que conta com alguns personagens e até mesmo núcleos dispensáveis. Ainda assim, é difícil não se envolver com a história, que merece aplausos por focar no desenvolvimento de duas pessoas e não em polêmicas vazias.