Críticas AdoroCinema
5,0
Obra-prima
O Artista

O TEMPO NÃO PARA

por Roberto Cunha

Existem filmes que fazem enorme sucesso com a crítica, mas não junto ao público. Isso não significa que um dos lados esteja errado, mas que existem maneiras diferentes de se perceber uma obra. Quando pipocaram indicações, prêmios e muito blábláblá sobre O Artista, parecia ser ele mais um para dividir opiniões. Se acontecer, porém, não será pelo fato de ser "cabeçudo" demais ou popularesco. Na verdade, sua sutileza e simplicidade o fazem interessante e, talvez, seja essa a razão do encantamento que tem gerado.

Na história, George Valentin (Jean Dujardin) é um astro do cinema mudo. Veterano, engraçado e extremamente vaidoso, tem certeza de que as pessoas sentam nas salas escuras para vê-lo e não o filme. Quando a indústria cinematográfica vira os olhos (e os ouvidos) para o cinema falado, sua vida vira do avesso. Tudo porque a jovem atriz Peppy Miller (Bérénice Bejo), que ele apoiou e acabou apaixonado, torna-se uma estrela requisitada e rica. Teimoso, resolve bancar uma produção muda para provar sua teoria, porém o som e a ausência dele, foram implacáveis. Em decadência, o artista precisa rever seus conceitos, mas o orgulho o impede de entender que o tempo não para.

Escrito e dirigido por Michel Hazanavicius (Agente 117), lindamente filmado em preto e banco e (quase) mudo, o longa recebeu 10 indicações ao Oscar. A viagem no tempo tem bilhete garantido já nos créditos iniciais de visual totalmente retrô. Repleto de bom humor, flerta com a metalinguagem no início, de modo sui generis, com o protagonista rodando cena de um filme onde, sob tortura, se recusa a falar. Daí em diante, as sacadas do roteiro tornam-se uma constante, culminando em uma cena bacana em que o som invade - brevemente - a narrativa. 

Com poucos diálogos (lidos na tela), são as imagens que envolvem você na trama simples e atual. Bem elaboradas, ela revelam um gracioso "duelo de pernas" no set de filmagens ou Peppy contracenando deliciosamente com um cabide. Mas é no singular encontro do casal em uma escada num momento transitório das respectivas carreiras, que se toca no cerne da questão. Com pessoas andando, para cima e para baixo sem parar, numa clara alusão ao fluxo da vida, você verá que nessa e em outras escadas do filme, ele só desce e ela está sempre subindo.

Explorando o eterno conflito entre o velho e novo, não faltarão citações de Cinderela e James Bond, entre outras. Sem efeitos especiais, cenas ímpares são ornamentadas pela boa trilha sonora (quase falante), como a que acontece quando George encontra-se novamente "refém" dos próprios filmes em um incêndio. No elenco, o auxílio luxuoso de John Goodman, James Cromwell, Penelope Ann Miller e Uggie, que fez a maioria das cenas caninas. Tudo para ajudar a tornar arrebatadora essa história de um homem atormentado pelo som e que precisa encarar a própria sombra. Só não esqueça de guardar fôlego para a sequência final, pois o resultado é como "fala" o emblemático personagem Zimmer (Goodman): "Perfeito!".