Críticas AdoroCinema
4,0
Muito bom
A Criada

No quartinho dos fundos

por Bruno Carmelo

Nesta semana, a agenda de estreias do circuito brasileiro ganhou um acréscimo de última hora. Talvez a discussão em torno da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) das empregas tenha encorajado a distribuidora Esfera Cultural a resgatar este belo filme de 2009, que só tinha sido exibido nos cinemas brasileiros em festivais, com o título A Babá. A produção se passa no Chile, mas espelha igualmente bem a relação da classe média brasileira com as empregadas domésticas.

O novo título, A Criada, parece perceber que estas trabalhadoras não são apenas babás, mas também cozinheiras, faxineiras, secretárias, confidentes. O slogan internacional resume muito bem o desconforto em torno destas mulheres: "Ela é mais ou menos da família", diz a frase. No filme, Raquel (Catalina Saavedra) mora há 23 anos na casa dos patrões, mas faz suas refeições separada dos outros moradores, e dorme no fatídico quartinho dos fundos, menor que os outros cômodos, e estrategicamente posicionado perto da lavanderia, para lembrá-la de sua função naquele lugar.

Uma das primeiras cenas mostra Raquel comemorando seu aniversário com os patrões e os filhos destes. Apesar do amor evidente de todos por ela, é a própria Raquel que retira os pratos de bolo, e vai para a pia lavá-los. Quando a patroa insiste que a tarefa pode ficar para depois, a criada responde com uma lucidez implacável que, de qualquer maneira, seria ela mesma que cuidaria da louça. Durante sua primeira hora de projeção, A Criada é uma pérola do humor negro, explorando com sutileza a luta de classes enraizada naquela família, e percebida por todos como uma ordem natural das coisas.

O ato de lavar as cuecas do patrão, surpreender tal morador nu em seu quarto ou de ter que esconder as próprias fotos de família entre as páginas de um diário revela a crise que se estabelece entre as esferas privada e pública. Sem surpresas, Raquel não consegue desenvolver uma vida íntima (Como dormir com um homem no quartinho dos fundos, na casa dos patrões?), ou uma relação com seus próprios familiares. A família adotiva da empregada são os filhos de quem cuida, e o título do filme percebe que, ao morar no local de trabalho e se dedicar exclusivamente a ele, a protagonista deixa de ser uma pessoa – Raquel – para se tornar uma função, "a criada".

Se ficasse apenas nos embates entre ricos e pobres, autoridade da babá versus autoridade da mãe na criação dos filhos, esta produção seria uma ácida crítica aos valores trabalhistas típicos do nosso lado do globo. Mas o jovem diretor Sebastián Silva insiste, tanto nos créditos do filme quanto em entrevistas, que esta é uma homenagem às empregadas domésticas. Ele mesmo cresceu em uma família cercada de "nanas". De fato, a segunda metade da história diminui o embate patrão-empregado para se focar no confronto empregado-empregado, quando a família contrata uma segunda ajudante, mais nova.

A partir deste momento, a produção torna-se mais engraçada (Raquel trata mal as candidatas a ajudantes), mas também menos incisiva. A sociologia cede espaço à psicologia: começamos a compreender como pensa Raquel, explorando a ambiguidade entre a postura materna que ela adota diante dos filhos, e a dependência emocional e financeira típica dos filhos, que ela apresenta juntos aos patrões. A mudança de tom na narrativa é radical, e pode desagradar alguns espectadores, mas o filme nunca deixa de olhar o mundo pela perspectiva de sua protagonista, sem condená-la por seus atos pueris, nem transformá-la em mártir da exploração capitalista.

A Criada sabe observar este mundo com a intimidade de quem o viveu de perto, embora tenha o nítido medo de pôr o dedo nas feridas. Resta uma homenagem muito bem filmada, agradável como poucos filmes sociais conseguem ser, e comandada pela atuação espetacular de uma comediante em papel dramático, Catalina Saavedra, contendo em sua expressão sisuda toda a determinação e a submissão de uma empregada doméstica.