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    Crítica Westworld 3X05: Gênero fluido

    Em seu melhor episódio até agora, a série da HBO enfim revela as armas de nosso verdadeiro inimigo.

    ATENÇÃO! Contém spoilers do ep. 5 da terceira temporada de Westworld, “Genre”.

    Naquele que foi o episódio mais explosivo e revelador de Westworld em muito tempo, a série deixa cada vez mais exposta sua carta de intenções. E com grandes revelações, vai ficando explícito enfim o grande plano que os showrunners Lisa JoyJonathan Nolan tinham para sua versão televisiva dessa obscura franquia dos anos 1970. Mais do que nunca, está bem claro que ideia sempre foi ir muito além da recriação de um "simples" parque de diversões habitado por robôs.

    A ideia, conforme explica o episódio 5, "Genre", exibido neste último domingo (12), é mostrar que a vida humana como a compreendemos é uma farsa. Uma grande corporação, a Incite, possui o controle absoluto das trajetórias e destinos de toda a população mundial (que vive alheia a esse fato). Em outras palavras, os humanos não têm controle de suas vidas e são induzidos a futuros já previstos e planejados. Todo esse conhecimento está armazenado em um sistema chamado Rehoboam, idealizado por Serac (Vincent Cassel) e seu irmão, Jean. A criação dos robôs de Westworld era apenas uma tentativa de contraponto a esse plano, já exercido há anos debaixo de nossos narizes. É essa a trama fantasma que Dolores enfim começa a expor -- não se tratava apenas de libertar os robôs de suas prisões, mas os humanos também.

    Foi mais um episódio focado em uma narrativa principal com poucos galhos secundários. Vários dos personagens frequentes que deram as caras no capítulo anterior ficaram de fora: nada de William (Ed Harris), Charlotte Hale (Tessa Thompson) e Maeve (Thandie Newton), mas uma quantidade considerável de Bernard (Jeffrey Wright), que cada vez mais vai se revelando a "chave" de todas as respostas, ainda que sua verdadeira missão não esteja ainda tão clara (enquanto isso, o sempre fiel Stubbs (Luke Hemsworth) parece mostrar suas verdadeiras intenções, também de modo bastante disfarçado). 

    E no epicentro de tudo temos Dolores (Evan Rachel Wood), a irresistível e infalível heroína-vilã que já se desenhava nos anos anteriores e que se consolida por completo nesta temporada. Mas é a primeira vez desde o episódio de estreia, "The Passenger", que Caleb (Aaron Paul) tem o protagonismo que seu personagem merece. E nesse caso, que belo protagonismo.

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    O título "Genre" se refere a uma droga psicotrópica mencionada de leve no episódio anterior. Aliás, fãs mais atentos vão notar que é a primeira vez nessa temporada que o nome do episódio não é uma referência filosófica a um texto pré-existente. A utilização não-consentida da genre em Caleb proporciona alguns dos momentos mais interessantes que já vimos em Westworld, esteticamente falando. O que percebemos é que a droga faz Caleb experimentar passeios lisérgicos por filtros de gêneros cinematográficos bem distintos. Isso se dá por meio da trilha sonora muito bem colocada, exceto pela primeira fase, dos filmes noir, em que o ponto de vista do personagem é todo em preto-e-branco (inclusive, ficou incrível!). Depois desta, todas as mudanças de viagem são concretizadas pela levada da música.

    E que bela escolha musical. Ouvidos atentos perceberam que as melodias utilizadas são temas clássicos de filmes definidores de seus próprios gêneros: na perseguição de carros, temos a "A Cavalgada das Valquírias" de Richard Wagner, que embala uma das sequências inesquecíveis de Apocalypse Now; ouvimos a trilha de Love Story - Uma História de Amor, quando Caleb se vê encantado por Dolores; "Nightclubbing", de Iggy Pop, embala as cenas de viagem de heroína em Trainspotting - Sem Limites e também a sequência de Caleb e o grupo no trem; e por fim, a perturbadora trilha de O Iluminado, quando o sangue inevitavelmente escorre em cena. E não dá para esquecer do intervalo de realidade com a tocante versão em cordas de "Space Oddity", clássico de David Bowie sobre o que é viver desassociado da realidade. 

    Essas pistas sonoras podem nos dar ideias sobre a verdadeira identidade de Caleb. Depois de agir como um coadjuvante de luxo nos episódios iniciais, o personagem humano (será mesmo?) mais promissor desta temporada deve ter um papel importante nas divergências do sistema previstas por Serac. Aliás, o projeto do ambicioso francês é mais ousado do que os capítulos anteriores davam a entender: controlar completamente o caminhar da espécie humana, prevendo nossos movimentos para evitar colapsos futuros. Só que é claro que o sistema não é a prova de falhas, e é justamente para isso que Dolores está tão empenhada -- e como Caleb parece ter um papel crucial nisso, fica mais evidente o porquê de Dolores protegê-lo a todo custo, inclusive como seu escudo (aliás, desde quando Dolores é a prova de balas?).

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    Abrindo aqui outro parêntese. (Citando Selac, o que dizer da primeira cena do episódio, em que ele tem um encontro ameaçador com um presidente brasileiro no meio da Amazônia? Westworld que me desculpe, mas falharam bastante aqui. Qual a dificuldade em contratar para o papel um ator cujo português é a língua nativa? Preferiram optar pelo norte-americano Al Coronel para interpretar o brasileiro Presidente Filo. Tudo bem que, nas atuais circunstâncias, nem dá para duvidar que em 2056 teríamos um chefe da nação com sotaque estrangeiro, mas nesse ponto, não custaria mais esforço de fidelidade. Chega até a ser irônico que Cassel, que morou por anos no Brasil, fale em português com muito mais clareza e menos acento do que o nosso "presidente".) Fechando o parêntese.

    Passo a passo, Westworld nos mostra que toda a mitologia que as primeiras temporadas levaram dois anos para estabelecer representa apenas a pontinha de uma questão muito mais ampla e difundida: a de que grandes corporações controlam os bastidores e moldam as pessoas de acordo com seus interesses. Talvez seja uma abordagem megalomaníaca demais, ou muito batida em obras recentes? Eu quero crer que, para cumprir tamanha intenção, os autores da série reservaram uma bela quantidade de argumentos para sustentar essa trama por mais duas temporadas. Porque a partir de agora, a premissa deixa de ser "robôs X humanos" para se tornar "todo mundo X o sistema". É uma guinada e tanto. Que Westworld tenha bala para segurá-la. 

    E que nos próximos episódios, nosso Caleb se prove realmente "o escolhido", a maior de todas as anomalias, o ponto fora da curva digno de quebrar o sistema corrupto e salvar o nosso mundo. Torço intensamente por isso.

    Westworld retorna com novos episódios todos os domingos, às 22h, na HBO e HBOGo.

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