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    O Mundo Sombrio de Sabrina: Crítica da 3ª temporada

    Série da Netflix falha ao apostar em muitas ramificações no enredo e protagonista "deusa ex-machina".

    Nota: 2,5/5,0

    • Dualidade

            substantivo feminino

    Qualidade do que é dual ou duplo em natureza, substância ou princípio.

    [Matemática] Troca mútua de dois tipos de objetos, em uma dada teoria; união e interseção na teoria dos conjuntos.

    Dualidade é a palavra de ordem da terceira temporada de O Mundo Sombrio de Sabrina. Os anos anteriores da série da Netflix acompanharam a jornada dupla de Sabrina (Kiernan Shipka), dividida entre sua vida humana, na escola Baxter High, e bruxa, na Academia das Artes Ocultas. Já a nova temporada adiciona mais um elemento ao caldeirão: o Inferno. A produção segue a duplicidade que Sabrina tem em ser uma adolescente “comum” no mundo dos humanos, que até arrisca suas vezes como cheerleader; ao mesmo tempo em que é uma bruxa, faz parte de um clã e é herdeira do trono do submundo.

    A produção deixa claro que não se pode ter tudo na vida, entretanto, Sabrina Spellman prova que, para ela, não existem limites. Filha de Lúcifer (Luke Cook), possível Rainha do Inferno, a adolescente vivida por Kiernan Shipka consegue tudo o que quer, inclusive se dividir entre dois universos. É literalmente o “O Melhor de Dois Mundos”, no estilo Hannah Montana.

    Diyah Pera/Netflix

    Enquanto essa dicotomia serve para denotar os prós e contras de cada realidade com a qual a bruxinha tem que lidar, também apresenta uma protagonista que passa mais uma vez de moça indefesa para uma persona “deusa ex-machina”, poderosa, imbatível e “escolhida” — tanto que beira o inverossímil. É claro que seu posto como filha de Lúcifer possibilita que ela tenha poderes inimagináveis, e obviamente que a jovem não está pronta para eles. Afinal, é apenas uma menina adolescente que não pensa nas consequências de seus atos e só quer ter os amigos e namorado ao lado. Porém, do romance à salvação, do ciúmes à fossa, enfrentando a dúvida do que fazer, nada parece ser difícil ou perigoso o suficiente para Sabrina — a ponto de que ela leva tranquilamente seus amigos humanos para uma missão no Inferno ou simplesmente deixa seu clã e sua família de lado para seguir uma missão desnecessária contra Caliban (Sam Corlett). Tomara que o quarto ano da série, filmado simultaneamente ao terceiro, consiga abordar as decorrências das atitudes de Sabrina, em todos os âmbitos.

    Diyah Pera/Netflix

    Após duas partes, O Mundo Sombrio de Sabrina não precisa mais se preocupar em explicar o universo da personagem. Tudo flui de forma mais natural, ainda que novos elementos mágicos sejam introduzidos a cada capítulo. Começando de onde a segunda temporada parou, o novo ano acompanha Sabrina tentando resgatar Nick (Gavin Leatherwood) do Inferno, já que o corpo do rapaz também serve como prisão para o pai da moça, Lúcifer. Ao mesmo tempo, Ambrose (Chance Perdomo) e Prudence (Tati Gabrielle) estão caçando o Padre Blackwood (Richard Coyle); e Hilda (Lucy Davis) e Zelda (Miranda Otto) tentam seguir com a Igreja da Noite sem prestar devoção à Lúcifer.

    Diyah Pera/Netflix

    Nesse ínterim, são apresentados personagens inéditos, cujos enredos desvirtuam a trama principal. Caliban, por exemplo, parece ter saído de Riverdale (série também criada pelo showrunner e quadrinista Roberto Aguirre-Sacasa) por sua introdução como um jovem sedutor e “vilãozinho”, e protagoniza, ao lado de Sabrina, uma missão movida por ganância e chantagem. Já os bruxos pagãos do Parque Itinerante tinham chance de ser otimizado dentro do enredo como grandes vilões, mas acabam perdidos no meio de tantos inimigos, e apresentam ares de monotonia com sua mistura de circo com rituais ameaçadores que seriam resolvidos mais cedo se os heróis conversassem entre si. O grande problema é da terceira parte de O Mundo Sombrio de Sabrina é apostar em muitas ramificações da trama durante a temporada. São tantas informações misturadas que o público pode ficar perdido nos entremeios do enredo pouco desenvolvido do novo ano — afinal, são quatro arcos narrativos distintos.

    Uma coisa é certa, a série não tem medo de mexer com a sexualidade de seus personagens. Exceto de Sabrina, que apesar de dormir ao lado do namorado seminu, aparentemente ainda não teve relações — elevando o status de pureza da personagem. Até mesmo os humanos são depostos desse patamar e se “obrigam” a ter experiências sexuais para evitar serem sacrificados porque são “virgens”. Em contrapartida, os demais feiticeiros não perdem tempo e protagonizam cenas tanto sedutoras quanto mundanas — o roteiro escolhe explorar experiências com demônios sexuais para a tensão pós-traumática de Nick Scratch. O destaque da temporada certamente vai para Gavin Leatherwood.

    Diyah Pera/Netflix

    Por mais que tais cenas deem a chance do ator brilhar, o desenrolar do relacionamento de Sabrina e Nick é arrastado e derradeiro, faltando aquele tempero a mais. A devoção da menina a ele acaba se tornando cansativa e o romance jovem adulto se transforma em um jogo de culpa e uma espécie de competição entre os dois personagens, retrato de um relacionamento desgastado. Scratch, por exemplo, passa por diversas abordagens e Leatherwood consegue entregar uma ótima atuação em todas essas iterações — inclusive quando interpreta Lúcifer dominando seu corpo. Aliás, o ponto alto da temporada é quando diversos atores interpretam personagens que não eram seus originalmente: Leatherwood e Richard Coyle como Lúcifer; Michelle Gomez mais uma vez como Lilith e Srta. Wardwell; Coyle como Hilda (Lucy Davis) imitando Padre Blackwood. É uma metalinguagem bem vinda entre tantos elementos sem rumo.

    Diyah Pera/Netflix

    A dualidade citada acima não está presente somente na jornada de Sabrina, que deve escolher (ou não) entre ter uma vida humana e bruxa. Tal elemento também marca o desenvolvimento de diversos personagens ao longo da trama da temporada. A Lilith de Michelle Gomez, por exemplo, percorre a linha tênue entre aliada e inimiga; bondade, maldade ou benefício próprio. O mesmo ocorre com os personagens de Nick e Prudence, que na primeira temporada eram claramente vistos como antagonistas de Sabrina e, após uma série de reviravoltas, retornam ao status de “solitários” e, portanto, possíveis inimigos do clã das Spellman.

    Apesar de prometer grandes momentos musicais e entregar somente cenas que lembram As Apimentadas, o clipe musical incrível que você confere acima, e um aquecimento para quando Ross Lynch (que é cantor na vida real) finalmente vá soltar a voz na série, a produção deixou a desejar nesse aspecto. Ainda assim, O Mundo Sombrio de Sabrina consegue divertir, ao mesmo tempo em que aprofunda elementos da mitologia dos personagens e entrega um esperado clima de suspense e mistério que manda o figurino — ou melhor, o título da série — com direito até a referências a De Volta para o Futuro.

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