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    GLOW: Crítica da 3ª temporada

    O êxito que resulta de uma crise existencial.

    Nota: 4,0 / 5,0

    O que é um programa de televisão longe da televisão? Um show diário em um hotel de Las Vegas. 

    Na sempre mutante GLOW, não seria exagero dizer que cada temporada funciona quase como um corpo independente. Se o primeiro ano da comédia mostrou a equipe tentando tirar o episódio piloto do chão, o segundo mostrou a derrocada de uma temporada a partir do preço que se paga pelo machismo. No terceiro ano, a missão é aquela máxima mais antiga e conhecida do show business: o show deve continuar.

    Agora funcionando como uma apresentação diária em um hotel fictício em Las Vegas, G.L.O.W. se transforma rapidamente em uma rotina enfadonha justamente quando as apresentações caem em uma rotina. Mas isso está longe de significar que a série tenha necessariamente o mesmo problema.

    Depois de duas temporadas, a comédia da Netflix corre o mesmo perigo que qualquer outra série enfrenta em seu terceiro ano. O desafio sempre é continuar a manter o público interessado. A favor de si, GLOW tem neste ponto uma gigantesca gama de personagens que podem ser exploradas — o ensamble cast é o mesmo fator que favoreceu Orange Is the New Black mesmo em suas temporadas mais fracas —, mas também tem contra si o fato de, eventualmente, o caráter metalinguístico da série poder rapidamente cair na mesmice.

    Para driblar essa questão, GLOW joga para o lado o que foi durante as duas primeiras temporadas a sua característica mais forte: as próprias lutas. Isso ajuda a série porque força a história a caminhar por outras vertentes e dar mais espaço para dramas particulares, ao mesmo tempo em que, nas entrelinhas, dá o recado que mais precisa ser captado por quem está do outro lado das telas: aquele ambiente está longe de ser o ideal para que o programa floresça, e a ausência das lutas na rotina dos episódios diz exatamente isso. Se elas não se interessam em assistir às apresentações, o público também não. 

    Ainda que Las Vegas não seja o melhor ambiente para G.L.O.W (o programa dentro da série) florescer, o local faz o exato oposto com GLOW, a série propriamente dita. Neste momento da história, o ponto alto reside na relação entre as mulheres e nas jornadas de ascensão e autoconhecimento de cada uma delas.

    Enquanto Betty Gilpin mostra cada vez mais que é um tesouro escondido, Debbie ganha mais destaque e expertise no posto de produtora executiva ao mesmo tempo em que questiona a decisão de focar na carreira longe de seu filho. Ruth (Alison Brie) ganha momentum em seus questionamentos a respeito do que quer para a carreira e para a vida pessoal, em um relacionamento morno e uma afeição crescente em relação a Sam (Marc Maron); Sheila (da maravilhosa Gayle Rankin) é a personagem que sofre a maior mudança na temporada, uma jornada tão rica e necessária que apenas a torna ainda mais interessante do que já era.

    O mais interessante da terceira temporada de GLOW é que as pequenas questões estão ligadas de forma intrínseca ao grande arco: cada indagação sutil contribui para a construção de um único arco narrativo composto pelas trajetórias solitárias de cada uma daquelas mulheres tentando entender o que é independência e o que querem para o futuro. À medida que todas vão percebendo que não há futuro em G.L.O.W., e naturalmente tentando encontrar vida do outro lado, nos deparamos com outros lados destas personagens. 

    Neste ponto, Carmen (Britney Young) é uma personagem que faz muito com o pouco que tem. A temporada perde a chance de dar a ela mais destaque e explorar melhor sua história, ainda que deixe claro que sua paixão pela luta livre exige que ela busque algo melhor. Paralelamente, a jornada de Ruth vai quase que no caminho inverso. Embora ela saiba o que quer fazer, vai aos poucos sendo obrigada a ver que não vai necessariamente chegar lá.

    Netflix

    A maior riqueza de GLOW neste terceiro ano é entender que, para atender à regra do show business e fazer o espetáculo continuar, quebrar regras é essencial. Não dá para acusar GLOW de ser uma série que tem medo de arriscar, mas as questões existencialistas deste terceiro ano são as mais pungentes que a série já apresentou até aqui. Os episódios “No meio do deserto” e “Um Natal bem GLOW” são espetáculos à parte que sintetizam o que há de mais rico nessa história: aquelas mulheres não têm a mesma trajetória, o mesmo início ou os mesmos objetivos. Algumas falam sem parar de seus traumas, outras jamais se pronunciam sobre eles. Mas elas se entendem nas dificuldades, e conseguem utilizar os pontos fracos e fortes umas das outras para transformarem-se em um único corpo, forte e indestrutível.

    É claro que o final muda tudo para o futuro (ainda incerto) dessa série, mas a incerteza sempre foi onde a comédia de Liz FlahiveCarly Mensch excedeu em seu próprio brilho. Se o maior problema desta terceira temporada é continuar deixando de escanteio histórias tão ricas e o potencial de discutir mais a fundo temas como homofobia e xenofobia, é apenas o caminho natural que, nas próximas temporadas, outras personagens passem a ocupar o lugar sob os holofotes. O que não falta aqui é história.

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