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    Game of Thrones: Crítica da 8ª temporada

    Temporada final da série da HBO deixa para trás uma sensação vazia.

    Nota: 2,0 / 5,0

    Temporadas finais de grandes séries — sejam estas grandes em popularidade, em extensão, ou ambos — podem sempre ser traiçoeiras. Quando há muito a ser respondido e muitas tramas a ser finalizadas, então, o desafio é ainda maior. É uma balança difícil de equilibrar, uma conta em que, invariavelmente, alguém sai perdendo. O público cria altas expectativas para os últimos passos de personagens queridos, personagens que acompanhou por anos, e não poderia ser diferente. Para os produtores, roteiristas e elenco, é um desafio em que pesam a pressão de fazer algo grandioso, digno e, no fim das contas, fechar a última página do livro de cabeça erguida.

    O final de Game of Thrones jamais agradaria a todos, não apenas porque é praticamente impossível obter uma aprovação de 100%, mas porque este “todo” abraça no mínimo dois tipos de público completamente diferentes para a história adaptada por David Benioff e D.B. Weiss: os leitores de George R.R. Martin e os não-leitores. Alguns são mais rígidos com os pontos de mudança; já outros, ao longo dos anos, foram capazes de entender (ou, pelo menos, aceitar em paz) que Game of Thrones e As Crônicas de Gelo e Fogo estiveram desde o início destinadas a serem histórias completamente diferentes. O efeito borboleta, como o próprio Martin faz questão de ressaltar, esteve em curso desde a primeira cena do primeiro episódio da primeira temporada da série de TV.

    Por isso, a divergência da série em relação aos livros não é exatamente o que criou uma rejeição tão grande — perceptível em qualquer rede social — dos últimos episódios da série, ainda que isso esteja no epicentro da tragédia. Game of Thrones construiu a sua própria versão de Westeros, como era lógico e necessário que fizesse. São muitos reinos, muitos personagens, muitas tramas paralelas, e uma quantidade limitada de tempo disponível. É este mesmo tempo, aliás, que parece ter se tornado o principal vilão da história nas últimas temporadas.

    E você aí achando que a vilã era Daenerys (Emilia Clarke).

    Helen Sloan/HBO

    Em 2017, Benioff e Weiss falaram ao público do SXSW sobre a conclusão da história, reafirmando que já planejavam quando queriam terminar a série:

    “Desde o início nós queríamos contar um filme de 70 horas”, falou Benioff. “Vai acabar sendo um de 73 horas, mas permaneceu relativamente a mesma coisa considerando o início, o meio e agora chegando ao fim. Teria sido muito difícil se houvéssemos perdido algum membro essencial do elenco ao longo do caminho. Estou muito feliz por termos mantido todos e conseguir terminar da forma que desejávamos.”

    Durante anos, nas primeiras temporadas de Game of Thrones, o que fez a série se diferenciar das demais produções do gênero de fantasia não foi necessariamente a tão comentada inversão de expectativas, que surpreendeu com as mortes de personagens importantes e inesperados. O que destacou a série foi a construção bem embasada de toda a trajetória dos protagonistas, ainda que as ramificações fossem detalhadas e muitas vezes difíceis de se acompanhar.

    Por isso, quando Ned Stark (Sean Bean) perde a cabeça no episódio 9 da primeira temporada, o público se vê confrontado com uma sensação angustiante: é doloroso ver um personagem justo e nobre ser punido pela decisão impetuosa de um rei inexperiente e mimado, Joffrey (Jack Gleeson), mas o público consegue ver perfeitamente tudo o que aconteceu para culminar naquilo, da inocência de Eddard à fé um pouco cega na justiça e na bondade. Quando Robb (Richard Madden) e Catelyn (Michelle Fairley) são cruelmente assassinados no Casamento Vermelho, na terceira temporada, vários episódios destinaram-se a ir montando o caminho até aquilo, desde o casamento do Jovem Lobo com Talisa (Oona Chaplin), que descumpre a promessa que havia sido firmada com Walder Frey (David Bradley), aos alertas feitos por Catelyn e, por fim, à descoberta de que toda a armadilha havia sido tramada por Lorde Tywin Lannister (Charles Dance). O desenrolar do Casamento Vermelho é algo difícil de se assistir não apenas porque estamos tratando dos outros personagens que aprendemos a enxergar como protagonistas, mas porque, passado o choque inicial da brutalidade da cena em si, o que permanece com o público é uma dor fundamentada: o que aconteceu foi algo brusco, mas não foi um choque pelo choque. O caminho para o desastre havia sido traçado, era visível e tem uma recompensa emocional.

    Helen Sloan/HBO

    Essa é a exata diferença em relação ao que acontece nos episódios finais.

    Muito se discute a respeito da virada obscura de Daenerys Targaryen na oitava temporada. Estava ou não estava claro desde o início que ela não era exatamente a mocinha da história? Por um lado, é evidente que os indícios existiam: ela não esboça qualquer rejeição quando Khal Drogo (Jason Momoa) dá a “coroa de ouro” a Viserys (Harry Lloyd) na primeira temporada, e depois disso não são poucas as vezes em que ela resolve incinerar seus inimigos com o fogo de seus dragões. Existe um sadismo na forma como ela aplica punição a quem está contra ela, mas esse sadismo, ainda que real, não existe apenas com Dany. Muitos outros personagens — Arya (Maisie Williams), Sansa (Sophie Turner), Jon (Kit Harington) para citar apenas alguns — também chegaram a ser bastante cruéis com seus inimigos, mas isso jamais chegou a significar que eles se tornariam insanos.

    A jornada de Daenerys Targaryen, o seu declínio rumo a uma instabilidade mental assustadora, é uma que muitos fãs já haviam suspeitado que poderia acontecer. A temporada, no entanto, comete um equívoco quando não dá ao público tempo necessário para absorver todas as perdas que a personagem sofre na temporada, tampouco de entender o impacto que aquilo causou na forma como a Mãe dos Dragões enxergava o seu próprio destino, a sua obstinação pelos Sete Reinos. Ela é colocada em uma situação em que jamais poderia ganhar: ao optar ouvir seus conselheiros, ir para o Norte e lutar a batalha de Jon Snow, Dany perde boa parte de seus exércitos mas não ganha a confiança dos Starks, o que depois acaba se tornando a justificativa para a guinada obscura e o ataque a Porto Real. Mas, caso ela tivesse ignorado as opiniões de seu conselho e ido direto para a Capital enfrentar Cersei (Lena Headey), não teria passado pelos mesmos julgamentos e acusações de ser apenas mais uma que não se importava com o povo? Dany está presa entre duas alternativas que seriam prejudiciais qualquer que fosse o resultado.

    Helen Sloan/HBO

    Essa armadilha criada para ela pelo roteiro é exatamente o que retira grande parte do impacto que sua morte poderia ter causado. A sensação que fica, mesmo após a série ter se empenhado bruscamente nos dois episódios finais para fazer Daenerys estar completamente fora de si, é que Benioff e Weiss falharam muito com ela.

    Grande parte do resultado da temporada final de Game of Thrones dependia da criação e da ruptura dos laços entre os personagens, algo com que o público está mais do que habituado após tantos anos de história. Os episódios, no entanto, parecem se ancorar com muita confiança no fato de que o público já conhece aqueles personagens, a ponto de passar com muita pressa pela maneira como cada um deles é impactado pelas novidades. E, quando muito disso se ampara em Jon e Dany, há ainda um outro desafio: a inexpressividade de Harington transmite sempre a ideia de que Snow é um personagem sem vontade própria e apático, enquanto a forma como a série deliberadamente foge de encarar Dany de frente nos episódios finais ressalta a afirmação de que o roteiro não tem uma justificativa forte para o lugar em que colocou a personagem.

    Por isso, a sensação geral de insatisfação com a temporada final vem de um único lugar: o que os episódios deixam claro é que a série foi incapaz de diferenciar o que é subversão do roteiro e o que é falta de aprofundamento deliberada. Roubar o público da possibilidade de acompanhar a transição dos personagens apenas para no final deixar a impressão de que algo foi inesperado é exatamente o contrário do que levou a série ao status cultural que ela ocupa hoje. A maior evidência disso é que o episódio mais bem recebido da oitava temporada é o episódio 2, “A Knight of the Seven Kingdoms”, que é o menos apressado de todos. É um  episódio que se destina a acompanhar a última noite de nossos personagens principais antes da temida Batalha de Winterfell contra o exército do Rei da Noite. É um que retrata a angústia em cada um deles, o desespero e o medo da perspectiva de enfrentarem a morte. É um que faz aquilo que mais fez falta durante os 13 episódios finais, pois entrega um olhar mais intimista e dá ao público a chance de criar um laço com o que acontece naquele momento. Sem isso, o que sobra é apenas um espetáculo vazio.

    Helen Sloan/HBO

    Game of Thrones sai de cena deixando atrás de si uma sombra negativa, de uma temporada final apressada e que foi duramente criticada por sacrificar o roteiro na esperança de que o deslumbre visual recompensasse. O último episódio chega a um lugar confortável e coerente, mas o caminho traçado para chegar até lá carece de emoção e faz com que poder dizer que a série acabou seja, no fim das contas, um alívio.

    Entender a comoção que a série gerou na cultura pop é algo que podemos apenas tentar. Criticada ou elogiada, Game of Thrones está destinada a ser maior do que os problemas da temporada final porque introduziu no imaginário popular um novo reino e uma nova forma de se entender o gênero de fantasia, uma noção que é tão complexa que, à curta distância em que a enxergamos logo após o fim, é difícil de determinar. Portanto, enquanto evento, Game of Thrones é uma força da natureza praticamente imbatível. Enquanto série de TV, fica a esperança de que os seus erros sirvam de lição para aquelas que já estão tentando copiá-la.

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