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    Glee: Qual o legado da série, 10 anos depois? (Opinião)

    De 2009 a 2015, a série balançou o ambiente televisivo e a vida de pessoas mundo afora.

    Em 19 de maio de 2009, chegava à televisão o primeiro episódio de Glee. Eram tempos diferentes, antes de textões em redes sociais, brigas por política que encerram relações familiares e representatividade ser uma palavra que faz parte do vocubulário jovem. Nesse tempo longínquo, a série chegou em lares mundo afora se propondo a contar a história de uma menina judia com dois pais gays, uma adolescente grávida, um menino gay, uma menina negra e gorda, um menino em cadeira de rodas, uma menina asiática e um atleta popular que descobrem a humanidade que eles têm em comum através da música, e como consequência mudou não só a vida de muitas pessoas, mas também o ambiente televisivo.

    Falar sobre o poder de uma série de TV de mudar vidas pode soar um tanto quanto dramático, mas essa é a própria tese em que Glee se baseava, o poder que a arte tem de acolher e servir como auto-expressão. Como a arte permite ver e ser visto. Então não é uma surpresa que, como uma obra de arte em si, a série tenha feito por seus fãs o mesmo que a música fez pelos membros do seu clube do coral. Glee, tanto dentro da narrativa quanto no mundo real, significou por anos um lugar a que pertencer.

    Sem medo de abordar temas claramente políticos, os criadores Ryan MurphyBrad FalchukIan Brennan criaram uma obra que se destacava em meio a mídia de seu tempo. Nos melhores momentos da série, vimos Kurt (Chris Colfer) se assumir gay para seu pai em "Preggers" e lidar com a homofobia e o bullying em "Never Been Kissed" e "Prom Queen"; os personagens lidando com sexualidade, saúde mental e auto-estima em "Born This Way"; Santana (Naya Rivera) lidando com se assumir lésbica em "I Kissed a Girl"; o McKingley High enfrentando violência armada na escola em "Shooting Star", antes de qualquer série adolescente abordar o assunto e de maneira muito mais sensível que sucessores como 13 Reasons Why o fizeram; e por aí vai.

    Glee foi parte de uma onda de mudança da percepção pública sobre a comunidade LGBT, criando personagens homossexuais, bissexuais e transgênero de maneira tão atenciosa e humana quanto qualquer outro, além de casais homossexuais por quais todos podiam torcer. Isso tudo antes mesmo do casamento entre pessoas do mesmo gênero ser legalizado nos Estados Unidos ou no Brasil. Teatro e, especialmente, musicais já tem uma reputação ligeiramente gay — e com razão, muitos artistas LGBT foram parte de construir a Broadway e o cinema musical como conhecemos hoje —, mas ao abraçar e naturalizar essa reputação de forma tão aberta, Glee abriu portas para uma revolução.

    Demonstrar o impacto causado pela obra na televisão como um todo é simples. Usando uma emissora conhecida por suas séries para o público jovem como exemplo: em 2009, a CW estreou The Vampire Diaries com o total de uma personagem negra em seu elenco regular, a Bonnie interpretada por Kat Graham. Em um mundo pós Glee, a série de maior sucesso da emissora, Riverdale, estreou em 2017 com personagens latinos, negros, asiáticos e gays em seu elenco fixo. E não estamos sequer falando de obras celebradas por sua inclusão, que a emissora se empenhou em produzir nos últimos anos, como Jane The Virgin, protagonizada por latinos e inspirada em novelas mexicanas, ou Crazy Ex-Girlfriend, que deve muito a Glee não só pela diversidade de histórias e personagens, mas simplesmente por poder existir na televisão como uma comédia musical.

    Mudanças culturais não acontecem da noite para o dia ou são causadas por uma coisa só, é claro, e Glee existe também no caminho traçado por antecessores como Ellen e Will & Grace. Porém, é inegável que a série fez parte do caminho para a mudança da visão da mídia sobre "o outro" e, consequentemente, da visão do público também. E eu não vou nem tocar na grande responsabilidade que a série teve em formar uma geração de amantes de musicais, que hoje é grande parte do público que financia a Broadway e leva sucesso para peças como Hamilton, Dear Evan Hansen e The Prom, além de dar audiência a eventos televisivos como Grease: Live!.

    Dez anos se passaram desde que Glee trouxe para a televisão seu elenco diverso e sua simpatia pelo marginalizado, tanta coisa mudou desde então. Hoje, a palavra representatividade é jogada de um lado para o outro com tanta frequência que algumas pessoas esquecem o que ela significa. Mas para ter certeza da importância que Glee e seu legado possuem, eu só preciso lembrar da pré-adolescente que eu um dia fui, sofrendo bullying intensamente por coisas que eu ainda mal sabia sobre mim mesma, e o conforto que amar personagens que estavam passando pela mesma coisa me trouxe. É uma grande fonte de alegria saber que gerações a seguir continuarão a possuir o mesmo tipo de conforto.

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