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    Veep: Crítica da 7ª (e última!) temporada

    Brutal e irônica, a comédia de Julia Louis-Deyfrus consolida sua marca na TV.

    Nota: 4,5/5,0

    Diante de fenômenos como Game of Thrones e Westworld, as comédias da HBO não atingem o mesmo nível de popularidade junto ao público. A mais famosa do grupo acaba sendo Veep — provavelmente por sempre sair vitoriosa nas grandes premiações da TV. Afinal, não é qualquer atração capaz de render seis Emmys seguidos para sua protagonista. Mas qualquer dúvida sobre tal merecimento desaparece quando você realmente assiste a sátira política. Depois de tantas temporadas aclamadas, a obra estrelada por Julia Louis-Dreyfus encontra grandes desafios em seus episódios finais: fechar a história com chave de ouro, ao mesmo tempo que não consegue mais fugir de fazer paralelos com a conturbada política atual.

    Retomando após um hiatus de dois anos, Veep acompanha Selina (Louis-Deyfrus) no início de sua nova campanha presidencial, reunindo boa parte da antiga equipe: Gary (Tony Hale), Amy (Anna Chlumsky), Dan (Reid Scott), Ben (Kevin Dunn) e Kent (Gary Cole). Do outro lado da disputa, Jonah (Timothy Simons) também faz sua agressiva candidatura, enquanto o ingênuo Richard (Sam Richardson) se divide entre as duas campanhas. Correndo por fora, Mike (Matt Walsh) acaba encontrando emprego como jornalista político, cobrindo toda essa bagunça.

    Veep sempre foi uma trama rápida e sarcástica que brinca com limites do absurdo, mas é impossível não sentir o espelho da narrativa virando contra o espectador, a ponto de refletir sobre a sociedade atual dividida pelo ódio. A história segue centrada numa Selina determinada a fazer tudo pelo poder, ainda tendo os políticos egocêntricos em seu alvo, mas também redireciona parte de sua crítica para a multidão que acaba apoiando tal tipo de comportamento. E tal visão é feita de forma tão genial, que o roteiro é capaz de fazer referências ultrajantes sobre assuntos sérios, como tiroteio em massa ou o movimento #MeToo. Em qualquer outra comédia, poderia ser algo para chocar o espectador. Aqui, é inserido numa situação tão absurda que funciona.

    Nos três primeiros episódios, a comédia de David Mandel parece retomar o estilo clássico que a consagrou no início, quando ainda estava sob o comando de Armando Iannucci: uma sátira política sobre poder. Porém, a narrativa não tem medo de investir num lado quase sombrio, lidando com consequências drásticas das decisões corruptas de nossos protagonistas. Percorrendo uma linha tênue que equilibra a tensa realidade e ficção genial, o espectador nem consegue prever o que irá acontecer em seu último episódio. Afinal, não há limites para esse grupo de personagens.

    A produção da sexta temporada aconteceu antes da ascensão do presidente norte-americano Donald Trump, mas Mandel não poderia perder a chance de comentar sobre isso na reta final. Repleto de ignorância e absurdos, o arco de Jonah é uma clara analogia à jornada do ex-apresentador de O Aprendiz, enquanto Amy se transforma numa versão de Kellyanne Conway, diretora da campanha de Trump nas eleições e sua atual conselheira na Casa Branca. O que alguns podem considerar como uma paródia desnecessária, tais transições fazem sentido para o caminhar desses personagens — ele, um homem imaturo que apela para o ódio a fim de ser percebido; ela, uma mulher nervosa que decide largar quase todo tipo de humanidade, tudo pelo sucesso que não encontra em sua vida pessoal.

    O ciclo de Veep é encerrado num quase perfeito episódio final, onde vemos que a tão desejada ascensão de Selina ao cargo mais poderoso do mundo é, na verdade, sua derrocada. Mesmo após todas as terríveis coisas que a protagonista fez, ainda é possível sentir dor ao vê-la solitária no Salão Oval. Afinal até seu leal Gary foi atingido por tais consequências (inclusive são magistrais as performances de Deyfrus e Hale em tal momento). Graças às suas atitudes egoístas e uma hilária piada com Tom Hanks, o legado de Meyer vem com altos custos. Mas o curioso é ver como Mendel ainda acredita que o futuro dos EUA e, consequentemente, do mundo pode ser otimista, vide o sucesso de Richard (a pessoa mais bondosa de toda a série) e a forma como Jonah foi afastado do mundo político, mesmo tendo conseguido se tornar vice-presidente — após ser convencido por esporros hilários da protagonista e seu tio Jeff (Peter MacNicol). Talvez nem tudo esteja perdido, mas ainda há um longo caminho a percorrer. 

    Mesmo que você não acompanhe a situação política dos Estados Unidos, é possível assimilar as críticas feitas em Veep. O que vemos na tela é o retrato do caos que se tornou um sentimento generalizado pelo mundo, infelizmente. Seja pela popularidade crescente de Selina nas pesquisas a partir de situações bárbaras, ao mesmo tempo que Richard acaba sendo levado por uma correnteza sem sentido. A narrativa se divide em três núcleos diferentes, mas todos motivados pela mesma falta de responsabilidade humana.

    Se o roteiro segue afiado, ele só funciona por conta do talentoso elenco. Na temporada passada, boa parte deles estavam divididos, mas aqui se reúnem com uma química impagável. Ao longo dos episódios, alguns personagens transitam entre outros núcleos, mas nada atrapalha o ritmo. Todos merecem elogios, mas são Chlumsky, Hale, Simons, Walsh, Richardson e Clea DuVall (como Marjorie, nora/ex-segurança de Selina) quem roubam grandes cenas. A primeira, inclusive, precisa desenvolver dois arcos desafiadores e bem diferentes ao longo da temporada. Dentre as participações especiais, Hugh Laurie (Tom James) e MacNicol (Tio Jeff) são ótimos, mas a Minna de Sally Phillips é incomparável.

    Por fim, todos orbitam ao redor de uma grande estrela e Julia Louis-Deyfrus não decepciona. Depois de Seinfeld e The New Adventures of Old Christine, a atriz construiu uma figura inigualável em Selina Meyer e sabe exprimir tudo que há de melhor (ou no caso, pior caráter) da personagem. Na reta final, ela ainda consegue surpreender e segurar as frases ainda mais absurdas de sua personagem. Os conflitos da personagem em "Super Tuesday" e "Oslo", particularmente, mostram o motivo de tanta aclamação. A forma como transita entre atitudes deploráveis e inesperados momentos emocionais representam como Julia domina o papel, trazendo verdade para uma jornada que, cada vez mais, destrói a humanidade de uma pessoa já imoral.

    Ao longo de sete temporadas, Veep nunca teve medo de expor o que há de pior no ser humano, usando a comédia para falar de assuntos complicados. Obviamente, sua despedida não ia ser diferente e a série solidifica sua marca no gênero, deixando um parâmetro bem alto para aqueles que virão depois. É um entretenimento que ataca e mexe com o espectador. Não sabemos se a mensagem de Veep será o suficiente para mudar nossa caótica realidade, mas definitivamente comprova como a criatividade e o humor são essenciais para refletir sobre a nossa sociedade. Já dizia o ditado: é rir para não chorar.

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