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    Admirável Mundo Pop: Cancelar séries é preciso

    A vida não vai acabar porque o teu seriado favorito vai deixar de existir. Felizmente sempre teremos outros para aproveitar.

    Ultimamente, as notícias de séries de TV canceladas são tão frequentes quanto os anúncios de novos programas. Só essa semana, foram três, todas produzidas pela Netflix: Orange is the New Black, Punho de Ferro e Luke Cage não irão continuar após 2019. Os fãs, como não poderia deixar de ser, chiaram muito nas redes sociais.

    Essa história de cancelamentos repercutirem tanto é algo recente na indústria do entretenimento. Ainda lembro bem de um tempo em que a gente simplesmente não ligava muito se um seriado iria ou não continuar no ano seguinte, porque não adiantava reclamar. Quando só havia a TV aberta, eram raras as séries que passavam simultaneamente lá e aqui. Por anos, tudo o que víamos na telinha eram programas que nem existiam mais, ou os episódios repetidos de sempre. Os gringos já sabiam dos desfechos bem antes de nós, mas naquela época, felizmente ou não, a internet não estava aí para nos dar tanto spoiler. 

    Faça um esforço e tente imaginar o sofrimento do fã brasileiro de Barrados no Baile, que após acompanhar a série por oito temporadas, ficou sem saber o final simplesmente porque um belo dia a Globo decidiu tirá-la da programação. Pois é. 

    Tudo mudou com o advento dos canais a cabo, que aos poucos conseguiam refletir as datas de exibição lá fora. Não faz muito tempo que passamos a ver episódios de certas séries exatamente no mesmo minuto do que na terra onde são produzidas. Também não faz muito tempo que a Netflix e outros serviços de streaming nos deixaram bastante mal acostumados ao entregar de bandeja todos os episódios de uma nova série, simultaneamente ao mundo inteiro.

    Pois então, como um ativo integrante do público que consome muitos seriados regularmente, assumo que somos um bando de mimados. Queremos tudo, queremos mais, queremos agora mesmo, e ai de quem nos contrariar – ou no caso, cancelar a série que tanto amamos. Para colocarmos a indignação para fora e nos vingarmos de tanta injustiça, xingamos muito no Twitter. Quem sabe não funciona?

    Em alguns casos recentes, parece ter funcionado. A internet se abraçou e chorou junto quando Brooklyn Nine-Nine foi cancelada pelo canal Fox, e com razão: poucas séries de comédia trazem uma combinação tão necessária de diversidade de elenco, importância social e humor positivo e alto astral. Não levou nem dois dias para a NBC anunciar que daria uma sobrevida ao show. No caso de B99, um encerramento tão prematuro seria muita injustiça mesmo, mas nem todos produtos bem-intencionados têm a mesma sorte (na minha humilde opinião, Everything Sucks!, da Netflix, precisava continuar).

    Uma comoção parecida ocorreu com Sense8, um original da Netflix que foi exaltado por suas boas intenções mais até do que por sua qualidade televisiva. Após o cancelamento, o movimento pela permanência da série (que começou antes mesmo do anúncio oficial) rendeu a criação de um episódio final de duas horas para concluir a história de uma maneira adequada -- convenhamos, nada pior do que programas que terminam sem desfecho, e isso não tem sido raro.

    A real é que nós adoramos séries, mas talvez a gente adore também reclamar. Mas tudo bem, é um direito de todos nós.

    Deixando o lado fã para lá, vamos concordar que tem muita história que já deveria ter acabado faz tempo. The Walking Dead, por exemplo: eu não assisto (não sou grande fã de zumbis em mundos pós-apocalípticos), mas conheço dezenas de pessoas que acompanham aquele sofrimento desde o começo. E praticamente todo mundo admite que o melhor momento da série já passou faz tempo. É como se a história fosse um zumbi lutando para se manter em pé, já que a trama não tem mais como e para onde avançar. A citada Orange is the New Black é outro exemplo recente de um produto bem-cotado inicialmente que está enrolando e já viveu dias melhores.

    Já os recentes cancelamentos das séries da Marvel na Netflix talvez sejam reflexos de erros estratégicos, mas isso não deveria ser visto como algo negativo. Talvez Punho de Ferro devesse mesmo ter durado só uma temporada, o bastante para apresentar um personagem que por si só não se sustenta por muito mais tempo. O mesmo pode ser dito de Luke Cage: por melhor que fossem as atuações do elenco e a direção dos episódios, talvez duas temporadas sejam mais do que suficientes para passar o recado.

    Pensando friamente, há muitas boas histórias que deveriam ter acabado no ápice. Quando foi anunciado que Stranger Things teria uma segunda temporada, critiquei a decisão, por mais que tivesse adorado a primeira leva de episódios. Achei que exigiria muita coragem para encerrar daquele jeito, em um clima sinistro de desesperança e abandono, e tudo bem se várias pontas tivessem ficado soltas. Mas saber parar quando se está ganhando é uma arte perdida. E nem dá para culpar os executivos de TV, afinal o sucesso alcançado foi tão grande quanto inesperado. Mas visto a falta de imaginação que dita o ritmo da segunda temporada, ainda insisto que tudo deveria ter acabado com Will regurgitando a larva do Demogorgon na pia.

    Sem dizer que a terceira temporada já está vindo aí… Precisa mesmo?

    Não estou dizendo que toda série precisa terminar no auge. Também temos o direito de esperar que todo bom produto continue ótimo enquanto continuar existindo. Nem sempre é o caso, mas quando a coisa é boa, dá para ter esperanças de que criatividade e qualidade vão imperar por bastante tempo. The Good Place é um bom exemplo de série que alcançou o topo rápido (a segunda temporada é digna de prêmios, conforme celebrei nesta coluna). Isso não significa que é uma história que precisa se estender por muitos e muitos anos. Se os criadores perderem o rumo da trama na terceira temporada que está rolando, serei o primeiro a pedir que tudo acabe logo.

    No fim das contas, é tudo uma questão de querermos algo interessante para apreciar. Como bem disse este outro colunista, acompanhamos séries por várias temporadas porque nos importamos com os personagens, não necessariamente com suas histórias. Se os seres ficcionais da telinha não forem interessantes o bastante, não temos motivo de continuar nos dedicando durante anos e anos. Concordo com essa tese. É por isso que às vezes é melhor que algo queime rapidamente do que permanecer vivo, envelhecendo mal, estragando um passado de glórias.

    Seja na vida ou na ficção, é sempre sábio aceitarmos o destino das coisas conforme foi previsto pelo poeta: que seja infinito enquanto dure. Nada é para sempre, então o importante é aproveitar a jornada enquanto ela estiver acontecendo. E bola para frente, porque sempre teremos outras séries para curtir.

    Pablo Miyazawa é colunista do AdoroCinema e consome cultura pop desde que nasceu, há 40 anos, de Star Wars a Atari, de Turma da Mônica a Twin Peaks, de Batman a Pato Donald. Como jornalista, editou produtos de entretenimento como Rolling Stone, IGN Brasil, Herói, EGM e Nintendo World.

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