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    BoJack Horseman lida com silenciamento e responsabilidades em ano inteligente e emotivo (Crítica da 5ª temporada)

    O astro favorito da década de 1990 se consagra como uma das grandes séries da atualidade.

    Nota: 4,5 / 5,0

    Ano após ano, BoJack Horseman segue justificando por que ocupa um lugar de prestígio entre os grandes dramas da televisão, apesar de ser, na verdade, uma comédia. Assim como as melhores atrações cômicas da atualidade, a série foge ao formato pré-determinado e se dispõe a trazer discussões que transcendem apenas o objetivo de chegar ao ponto alto da piada. E justamente por isso, a quinta temporada da animação da Netflix continua a traçar a rota de ascensão do programa ao posto de uma das séries com maior inteligência emocional da atualidade.

    Nesta temporada, BoJack é o protagonista da série Philbert, o programa que Princess Carolyn havia topado produzir no fim da temporada anterior, quando estava em desespero após a separação e frente à possibilidade de jamais conseguir ser mãe. Diante disso, nosso “cavalão” é o astro de um drama policial de investigação e precisa lidar com novas responsabilidades e expectativas que são colocadas sobre ele.

    Ao mesmo tempo, a separação de Diane e Mr. Peanutbutter coloca a jornalista em um estado de constante desespero. Sem ter certeza de ter tomado a decisão correta, ela resolve fazer uma viagem para o Vietnã a fim de “se reencontrar”, após ter se mudado para um estúdio praticamente caindo aos pedaços em um subúrbio. Desiludida com o relacionamento e com o trabalho, o que será de Nguyen?

    Philbert é o trampolim que a série utiliza para fazer uma de suas primeiras críticas ácidas da temporada — ao cada vez mais velho modelo dos “dramas de alto prestígio”, ou seja, aquelas séries que seguem o padrão de sempre buscarem uma abordagem sombria e obscura de seus protagonistas, um resquício da terceira Era de Ouro repaginado para causar mais choques durante este auge do streaming. Flip, o showrunner de Philbert, é o típico e irritante produtor egocêntrico que assume os louros de todas as vitórias, sem revelar que os créditos na verdade são da equipe que trabalha com ele.

    Netflix

    Assim como a quarta temporada havia tirado sarro do Peak TV, em uma trama que comentava que absolutamente todo e qualquer veículo de mídia na internet estava tentando entrar no negócio das produções originais (lembra do YouTube Brown, uma referência ao YouTube Red, agora retitulado para YouTube Premium?), a quinta segue nesta onda. Philbert é produzida pelo site “WhatTimeIsItNow.com”, um portal “para pessoas que não sabem que a hora aparece na barra lateral do computador.” É quase uma cutucada na concorrência, levando-se em consideração que BoJack é uma das séries de maior prestígio da Netflix — até porque, ao contrário de outras veteranas como House of Cards e Orange Is the New Black, está envelhecendo muito bem —, e que outros serviços de streaming estão basicamente tentando alcançar o modelo de negócio da concorrência de fama global.

    E, de fato, BoJack Horseman é uma das poucas séries que podem ironizar este reinado da massificação televisiva sem culpa. É um ponto fora da curva, e lida com uma eterna resistência contra o formato por raramente ser reconhecida como deveria em premiações. Enquanto comédia, BoJack Horseman é uma sátira do consumismo do entretenimento. Enquanto drama, é a história de sobrevivência frente a traumas de uma sociedade eternamente doente.

    Mas o realmente sublime de BoJack Horseman é como ela vai mostrando aos poucos a capacidade de evolução de seus personagens; BoJack vai aprendendo ao longo dos anos como lidar com suas tristezas; a quarta temporada foi o ponto máximo disso, já que foi a grande virada após a trágica morte de Sarah Lynn. Na quinta, a série precisa provar que BoJack é capaz de colocar em prática o que aprendeu e enfrentar os seus demônios de frente.

    Netflix

    E isso acontece em partes — exatamente porque BoJack está em um processo eterno de autoaceitação, que não o redime das culpas mas o coloca em um ponto onde é passível de mudanças. No primeiro episódio, por exemplo, quando BoJack tenta ajudar sua companheira de cena em Philbert, Gina (dublada por Stephanie Beatriz) em questões machistas, o tiro acaba saindo no pé. Ele não consegue ajudá-la, porque acaba saindo de “feministo”, e ainda é obrigado a sentir na pele o que o sexismo faz com mulheres.

    O debate da série sobre questões envolvendo sexismo, aliás, mais uma vez sai do lugar comum porque a trama permite a BoJack Horseman que seja extremamente metalinguística — afinal, ela se passa dentro de uma versão assustadoramente real de Hollywoo(d). No quarto episódio, Princess Carolyn tenta armar um retorno do problemático ator Vance Waggoner, que já havia sido o centro de diversas polêmicas envolvendo violência  e assédio, de forma a alavancar a expectativa e a repercussão de Philbert. BoJack acaba descobrindo as vantagens de ser um “homem feminista”, e solta uma das frases mais marcantes da série, apenas para revelar o quão sem noção de causa ele realmente é: “o problema do feminismo o tempo todo é que não eram os homens que estavam comandando. Nós conseguimos! Nós consertamos!”

    Sem se forçar a soar exageradamente rebuscada, BoJack Horseman escancara em diálogos diretos basicamente tudo o que há de equivocado na produção de séries, com o exemplo claro de Philbert, com os movimentos feministas protagonizados por homens (pescou a cutucadinha em Joss Whedon?) e com a normalização do sexismo através da mídia em uma ótima explicação de Diane.

    Ao mesmo tempo, os dois ápices da temporada são episódios bastante experimentais. O incrível “Churros Grátis”, episódio 6, e o inventivo “Sucesso Estrondoso”, episódio 11. Ambos são criativos em questão de estrutura, mas também representam muito para a evolução de BoJack. A morte da mãe de BoJack força o público a olhar de volta para a temporada anterior, quanto fomos apresentados à sua trágica história de infância, adolescência e juventude. BoJack nunca soube exatamente como lidar com os seus sentimentos em relação à mãe, e agora jamais saberá — assim como nunca conhecerá de verdade as razões para ela ser fria e distante.

    Sem nenhum malabarismo, acompanhamos este adulto quebrado prestar uma homenagem dolorosa à mãe falecida, e lidar com o luto de sua própria forma que é mais um conforto para si mesmo que para os outros que permanecem vivos. Ao mesmo tempo, o episódio reflete sobre como a mídia constrói uma falsa ideia de esperança — que eventualmente fez com que o próprio BoJack construísse na sua cabeça um ideal que o fizesse esperar por pedidos de redenção após todas as ausências dos pais. É nesses momentos em que vimos as feridas abertas do protagonista que BoJack escancara os motivos por que continua brilhante.

    Já o episódio 11, que é praticamente um episódio de Philbert dentro de um episódio de BoJack, traz o homem chegando ao ápice da sua paranóia, ajudada pela forma como a sua história e a trama da segunda temporada de Philbert se entrecruzam. Horseman torna-se obsessivo, perigoso, passa a confrontar tudo e todos à medida que as linhas entre ficção e realidade vão ficando mais e mais tênues. Depois que ele finalmente cai em si e percebe que estava mergulhado em uma alucinação, é inundado pela culpa pelo que causou a Gina. E isso acontece bem em tempo, quando BoJack é confrontado por Diane a respeito do que havia acontecido quando ele estava no Novo México, e por isso ele precisa finalmente enfrentar os seus problemas de frente.

    Apesar de uma temporada com muitas notas tristes — como sempre, aliás —, BoJack Horseman entende que, para tratar de temas tão sensíveis, é importante mostrar que há caminho para uma evolução. Assim como a temporada quatro havia mostrado que os fantasmas do passado continuam influenciando personalidades e comportamentos muito após cada um ter se esquecido das próprias raízes de comportamentos abusivos, a temporada cinco escancara que, ainda assim, cada um de nós é agente de suas próprias ações. O que você fez — e o que você faz — são atos sim provenientes de determinismos. Mas o protagonista da vida de BoJack não é Beatrice, ou Diane, ou Princess Carolyn. É apenas ele mesmo. O responsável por si.

     

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