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    Westworld: Relembre a primeira temporada

    Este recap, obviamente, contém spoilers.

    O Labirinto, o despertar de Maeve e o plano de Ford

    A espinha dorsal da primeira temporada de Westworld é a forma como alguns dos anfitriões — mais especificamente Dolores e Maeve — conseguem despertar. E mesmo que alguns detalhes da narrativa pudessem ter sido concluídos pelo público ao longo dos nove primeiros episódios (como a própria questão da linha temporal), o que só o último revela é que isso tudo fazia parte de um plano de Ford.

    Se no início o criador do parque era contrário à ideia do despertar de seus hosts, o que entendemos no fim da temporada é que a nova narrativa que ele estava criando é o primeiro passo para fazer seus andróides se rebelarem. O primeiro episódio mostrava que ele estava entrando em um conflito de ideias com a equipe administrativa da Delos Company, porque desejava criar uma narrativa que desse mais liberdade aos anfitriões. Foi para esta narrativa que ele desenterrou a cidade de Escalante (onde tudo começou), e o seu objetivo era brutal: ele fez isso para que Dolores pudesse chegar até lá e desvendar o fim do labirinto.

    Quando Maeve desperta no meio de uma reparação no centro de operações da Mesa Hub, ela passa toda a temporada confabulando para escapar daquele local, utilizando para isso os serviços de Felix (Leonardo Nam) e Sylvester (Ptolemy Slocum). Somos levados a crer que ela estava despertando por uma falha de funcionamento qualquer (induzida pelo momento em que Dolores diz a ela a icônica frase “Esses prazeres violentos têm fins violentos”), mas descobrimos depois que isso ocorreu porque alguém mudou sua programação para que o despertar ocorresse. Este alguém, é claro, foi o próprio Ford, mas também com um intuito maior: ao criar a rebelião liderada por Maeve, Armistice (Ingrid Bolsø Berdal) e Hector (Rodrigo Santoro), foi possível que os anfitriões defeituosos que estavam no depósito escapassem e se juntassem a Dolores para o arco final.

    A última narrativa de Robert Ford

    HBO/Divulgação

    Tendo sido contrário às ideias de Arnold antes da abertura do parque, Ford confessa nos minutos finais que estava errado, mas que levou 35 anos para descobrir isso. Ele acreditava que a existência do parque poderia transformar os hóspedes em seres humanos melhores, mas aprende que a sua criação transformou-se simplesmente em um “depósito” de violência e degradação. Ele conclui que não poderia mudar as pessoas, mas poderia transformar os anfitriões.

    Arnold tentou fazer suas criações despertarem a consciência através de uma atualização no sistema, mas Ford acreditava que a evolução vinha através da dor. O despertar da consciência de Bernard foi possível porque Ford manteve com ele a memória que Arnold tinha da morte do filho. O despertar de Dolores ocorreu pelo seu sofrimento com a lembrança dos assassinatos dos pais. Maeve é movida pela lembrança da morte da filha. A própria evolução do pensamento de Ford ocorreu pelo seu remorso por ter perdido o grande amigo.

    Mas o objetivo de Ford era que Dolores e Maeve escolhessem suas decisões. Dolores matou Arnold porque ele não a deu outra opção — ela estava programada para assassiná-lo quando ouvisse a canção “Rêverie”, de Claude Debussy. Não é uma decisão de fato quando se está programada para fazê-lo, afinal.

    Em seu último discurso, Robert Ford prenuncia o que está para acontecer: um novo massacre liderado por Dolores, mas desta vez um que ela escolheu cometer e do qual não se arrependerá no futuro — como aconteceu quando ela se lembrou de ter matado Arnold. Leia:

    “Desde que eu era criança, sempre gostei de uma boa história. Eu acreditava que as histórias ajudavam a nos enobrecer, a consertar o que havia de errado conosco, a nos transformar nas pessoas que sonhávamos ser.

    As mentiras me contaram uma verdade maior.

    Eu sempre acreditei que pudesse interpretar um papel nesta grande tradição.

    E para as minhas dores, eu alcancei isso: uma prisão para os nossos pecados.

    Porque vocês não querem mudar. Ou não conseguem mudar. Vocês são apenas humanos, afinal de contas.

    Mas então eu percebi que alguém mais estava prestando atenção, alguém que poderia mudar. Então comecei a compor uma nova história para eles.

    Essa história começa com o nascimento de um novo povo. E as escolhas que eles terão que fazer. E essa história terá todas as coisas de que vocês sempre gostaram... surpresas e violência. Ela começa em um tempo de guerra com um vilão chamado Wyatt... e um assassinato.

    Desta vez, por escolha.

    Fico triste em dizer que esta será a minha história final. Um velho amigo uma vez me disse algo que me deu grande conforto: ‘Estes prazeres violentos têm fins violentos.’ Algo que ele havia lido.

    Ele dizia que Mozart, Beethoven e Chopin nunca morreram. Simplesmente se tornaram música. Então, eu espero que vocês apreciem bastante a minha última obra.”

    A mente bicameral

    A ideia da evolução da consciência dos anfitriões em Westworld pega emprestado o conceito de mente bicameral do filósofo Julian Jaynes. Embora os estudos de Jaynes sejam considerados ultrapassados hoje por alguns estudiosos (tendo como base a evolução da neurociência), ele entende que o ser humano só passou a ter consciência (ou só passou a entender o motivo por que tomava determinadas decisões) com o despertar da linguagem.

    Em uma explicação rudimentar, a mente bicameral de Jaynes entende que, antes disso, os seres humanos se decidiam com base em “vozes” que ouviam em suas cabeças — crendo que vinham de deuses ou demais entidades. Sem introspecção, estes humanos não conseguiam compreender a existência da vontade, e esperavam sinais exteriores. Com o surgimento da linguagem oral, a evolução da escrita e o aumento da população, essa mente bicameral teria sido destruída para dar espaço a uma voz interna — o eu falando com o próprio eu. Esta voz interna é exatamente o que chamamos de consciência.

    No último episódio da primeira temporada de Westworld (não por acaso intitulado “The Bicameral Mind”), existe uma cena em que Dolores enfim entende que aquela voz que ouvia dentro de sua cabeça lhe dando ordens não era mais a voz de Arnold, nem a voz de Ford: ela havia se transformado em sua própria voz, tentando fazê-la se lembrar de tudo o que ocorreu nos últimos 35 anos. É neste exato momento que ela toma a decisão de executar um massacre contra os humanos. “Vai ficar tudo bem, Teddy. Eu entendo tudo agora. Este mundo não pertence a eles. Pertence a nós.”

    Da mesma forma, Maeve também toma uma decisão importante. De acordo com sua programação, ela deveria sair do parque nos momentos finais. Ela chega a entrar no trem, mas muda de ideia em um último instante e resolve voltar para buscar a filha. Ela faz isso por escolha. Ou seja, está acordada.

    Journey into Night

    É com este simples gancho que a primeira temporada de Westworld nos deixa. A última obra de Ford era a conclusão do que Arnold queria desde o início: a libertação dos anfitriões. O que indica que uma guerra pode estar a caminho. Mas algo sugere que este é apenas o começo…

     

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